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Escolher também é perder

“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, vencedor do Oscar de melhor filme este ano, toca numa questão fundamental da existência humana: lidar com a falta

Tem uma pergunta que é quase universal: “E se eu tivesse feito uma escolha diferente?”

“E seu eu tivesse dado uma chance para aquele amor? E se eu não tivesse casado tão cedo? E se tivesse escolhido não ter filhos? E se tivesse escolhido outra profissão? E se…? E se…?” As possibilidades de perguntas são infinitas. Tão infinitas quanto as possíveis vidas que poderíamos ter se as escolhas tivessem sido diferentes.

Esse é o argumento de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, filme celebrado pela crítica e consagrado com o Oscar no último domingo, dia 11. Criado e dirigido pela dupla conhecida como Os Daniels, o longa conta a trajetória de Evelyn, uma imigrante chinesa que foi em busca do sonho americano, mas acabou frustrada e amargurada com os rumos que a vida tomou.

Evelyn, interpretada pela brilhante Michelle Yeoh, tem uma lavanderia à beira da falência, um casamento desgastado, um pai idoso e absolutamente dependente e, principalmente, uma relação caótica com a filha homossexual. Nada parece ter saído conforme as expectativas de vida da protagonista. Mas a história muda quando um estranho fenômeno começa a acontecer. Evelyn é arrebatada para universos paralelos, supostas versões de sua vida caso ela tivesse feito escolhas diferentes no passado, e recebe uma complicada missão: evitar o colapso desses universos que agora estão sob risco.

Para além de todas as virtudes criativas, técnicas e de atuação, que garantiram inúmeros prêmios a esse acontecimento cinematográfico, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” consegue tratar com rara profundidade de um ponto chave da existência humana: precisamos lidar com a falta.

Quando fazemos uma escolha na vida, abrimos mão de outras possibilidades. A partir da escolha, da mais simples à mais complexa, uma realidade se constrói enquanto todas as outras possibilidades se esvaem.

Escolher também é perder.

E numa cultura que tanto valoriza a ideia de plenitude, com tantos produtos e serviços disponíveis para supostamente suprir todas as nossas faltas, encarar o fato de que algum espaço sempre vai ficar vazio, incompleto, soa um tanto doloroso.

No filme, Evelyn se depara com todas as possíveis versões de si e, no fim, parece entender que os furos no seu projeto idealizado de vida são a própria razão da existência. É porque algo falta que sobram espaços para o movimento da vida, para o constante exercício de construção de si.

Sempre poderemos ter apenas uma versão de nós e nunca saberemos se é a melhor. Mas em vez de lamentar o que poderia ter sido ou paralisar diante das possibilidades de escolha, convém aprender, ao menos um pouco, a lidar com a falta. Essa, sim, é certa.


Fábio Cadorin | @fabiocadorin é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.

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