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Narcisismo nas redes

Em vez de alegre exibição, o que mais se busca é o amor do outro.

O senso comum considera “narcisista” a pessoa que gosta muito de si mesma, aquela que tem profunda admiração por sua autoimagem. Até mesmo quem assume essa posição frequentemente acredita possuir autoestima elevada.

Para a psicanálise, porém, um comportamento narcisista revela o oposto. Há o narcisismo como ato psíquico necessário à constituição do sujeito. Mas no sentido que extrapola essa perspectiva, o narcisista é aquele que duvida tanto de si mesmo que precisa se expor aos olhos do outro para obter algum sinal de aprovação, alguma confirmação a respeito de quem ele é.

Essa ideia faz sentido quando olhamos as redes sociais e sua infinidade de selfies à espera de um like. Mais do que pessoas satisfeitas com suas imagens e vivências “instagramáveis”, temos uma batalhão de gente insegura aguardando ansiosamente algum reconhecimento.

Não pretendo nem posso generalizar. A internet e as redes sociais são um fenômeno cultural e têm muitos pontos positivos. Promoveram uma revolução no universo da comunicação social, deram voz às minorias, contribuem com a promoção de boas ideias e de causas sociais. Representam um novo mercado, rico em oportunidades para quem em outras circunstâncias não teria oportunidade. Tornaram-se ferramentas de trabalho e vitrine para profissionais e empresas. São um espaço infinito para as mais variadas formas de expressão humana.

Portanto, quando afirmo que as redes sociais viraram palco de narcisistas – que todos nós somos em maior ou menor grau – quero dizer que facilmente somos capturados pela ilusão de que o mundo está, por um lado, cheio de pessoas incríveis fazendo coisas e incríveis e, por outro, repleto de gente frustrada lamentando suas vidas medíocres. E que todos nós ora estamos de um lado, ora do outro.

Exibir-se nas redes ou admirar quem o faz não é necessariamente um problema. A questão é que nos dois lados há muita fantasia e pouca realidade. E muito sofrimento e adoecimento por conta disso. Mesmo quem parece vibrar com seus sorrisos reluzentes, seus corpos esculturais, suas dancinhas contagiantes e suas experiências privilegiadas em lugares exóticos pode estar lidando, ainda que inconscientemente, com suas  mais profundas inseguranças, desejando ardentemente o amor dos seguidores.

É óbvio que em um país e em um mundo com tantas desigualdades há quem desfrute de privilégios e outros que mal têm o que comer. Os níveis de sofrimento nesse aspecto são incomparáveis. Mas quando falamos de demanda de amor, estamos todos no mesmo barco. E justamente por isso é tão necessário eliminar a ilusão de que faces alegres no seu feed representam a felicidade alheia. O mundo de filtros e cenários perfeitos esconde muita carência. Em vez de gente satisfeita expondo sua bela imagem, temos muito narcisismo.

Para terminar, um esclarecimento. Consta nos manuais de psiquiatria o Transtorno de Personalidade Narcisista. Em certo aspecto, é um tipo de transtorno que apresenta relação com o que descrevi nessa coluna, porém, a perspectiva psiquiátrica é bem específica e não pode ser confundida com o termo “narcisismo” do senso comum nem com sua aplicação na teoria psicanalítica.

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Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.

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