Tempos de ansiedade e culpa
Em um mundo de infinitas ofertas e possibilidades, conhecer a si mesmo ainda é a melhor estratégia para fazer escolhas mais acertadas
Sou capaz de apostar que inúmeras vezes você já investiu tempo avaliando dezenas de possibilidades de filmes para assistir em plataformas de streaming e o sono bateu antes de qualquer escolha. Esse fato corriqueiro é só uma pequena metáfora do que temos experimentado em um mundo que virou um grande supermercado.
São tantas opções para tudo que, não raro, o que sobram são, pelo menos, dois sintomas: ansiedade e culpa.
Quando quase tudo vem embalado para estimular o consumo, é difícil fugir da ansiedade. Temos aquela sensação de que a oferta é tão interessante que deixá-la de lado é como abrir mão de um pedacinho bom da vida.
Nem dá tempo de curtir a experiência atual porque a próxima e a próxima e a próxima já estão em vista. Todas prometem satisfação e nós, seres constitutivamente insatisfeitos, facilmente caímos nessa historinha. E são tantas ofertas que sempre falta tempo ou dinheiro (quase sempre os dois) para usufruí-las.
“Ah, mas se você se organizar, se dedicar, você consegue”, garante o discurso corrente. Então, a culpa também se instala, porque você ou qualquer pessoa nunca vai dar conta de todas as demandas do mundo. Ou seja, de um jeito ou de outro vai se sentir em dívida.
Reconheço que é difícil fugir dessa engrenagem. Não há fórmula mágica, nem receita milagrosa – embora isso também esteja em oferta por aí. Mas talvez haja um caminho capaz de atenuar a sensação de impotência diante dos imperativos contemporâneos. Ele começa pela distinção entre o desejo subjetivo, genuíno, e aquele incutido pelo outro, pelo mercado, pela cultura. Identificar essa diferença só é possível com o conhecimento de si mesmo.
Investir na busca de si é a única estratégia capaz de amenizar a insatisfação, já que sempre será necessário escolher algumas coisas e abrir mão de outras. E se for para abrir mão, que não seja do que realmente é importante para você.
Fábio Cadorin | @fabiocadorin é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo