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Unesc vê programa de Equidade Racial surtir efeito e presença de alunos negros crescer em sala de aula

Lançado em agosto deste ano, o programa será permanente e tem como proposta ampliar o acesso a bolsas de estudos para estudantes pretos, pardos e indígenas

Aos 17 anos, a assistente administrativa, Valdete Rodrigues, já havia escolhido sua profissão: fisioterapeuta. Mas entre a escolha e o começo da realização de um sonho, foram anos de luta e superação de obstáculos. A jovem negra, moradora da Grande Próspera, em Criciúma, terminou o ensino médio em 2005, mas teve que esperar por muitos anos até entrar em uma universidade. Hoje, aos 44 anos, ela revela que a vontade de vencer por meio dos estudos sempre esteve presente em sua vida, mas a falta de condições financeiras era um fator que limitava suas possibilidades.

“Por anos cogitei fazer empréstimo para cursar a faculdade, mas percebia que não era viável, até que em agosto desse ano, uma amiga me disse que a Unesc daria bolsas de estudos. Fiquei bem animada e fui até a universidade em busca de mais informações e finalmente consegui minha oportunidade de cursar uma faculdade”, conta entre sorrisos.

Valdete cursa fisioterapia com 100% de bolsa | Foto: Divulgação

Valdete hoje cursa fisioterapia, com 100% de bolsa por meio do Programa de Equidade Racial. “Imagine minha felicidade e emoção ao descobrir que eu poderia me tornar acadêmica e ainda escolher um curso independente do valor”, diz entusiasmada. E a oportunidade, ela contou aos quatro sobrinhos. “Eles também tinham o sonho de cursar uma universidade. Com a bolsa equidade, agora eles cursam direito, engenharia, nutrição e educação física”, revela.

A conquista foi motivo de grande alegria e ter começado essa trajetória depois do período da juventude não foi um empecilho. Valdete afirma que a faculdade se tornou o principal objetivo de sua vida. “Com a ajuda de familiares e amigos, esse desafio deve ser tornar mais fácil. Todos estão empenhados em me ajudar. Sou uma das mais velhas da graduação e isso não é barreira para mim. Estou focada e dedicada”, diz confiante de que em 2027 terá em mãos seu diploma.

Programa Equidade contempla estudantes pretos, pardos e indígenas

No Brasil, 18% dos jovens negros de 18 a 24 anos estão cursando uma universidade, segundo o estudo sobre ação afirmativa e população negra na educação superior, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2020. Entre os jovens brancos o número sobe para 36%. Além da Lei nº 12.711/2012, que reserva cotas para estudantes negros, provenientes de escola pública e renda de até 1,5 salário-mínimo por pessoa, programas de acesso às universidades como ProUni e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), também foram responsáveis pelo crescimento no acesso ao ensino superior.

Em Criciúma, o Programa de Bolsa Equidade Racial da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) também está abrindo portas para que estudantes pretos, pardos e indígenas tenham uma oportunidade de alcançar o nível superior. Lançado em agosto deste ano, o programa será permanente e tem como proposta ampliar o acesso a bolsas de estudos. Neste primeiro momento foram ofertadas 255 vagas para cursos (exceto medicina), onde pessoas com renda de até 1,5 salário-mínimo terão direito a bolsa de 100%, acima disso, 50% de bolsa. No total 150 vagas foram preenchidas, além disso, os 30 primeiros inscritos tiveram direito a bolsa de estágio no valor de R$420,00.

Coordenadora do Neabi, Normélia Ondina Lalau de Farias | Foto: Clarissa Crispim/Portal Litoral Sul

“Muita gente perdeu o prazo por não acreditar que existia essa possibilidade de bolsas de 50% e 100%. Passaram a confiar apenas a partir do momento em que registramos com fotos e publicamos as matrículas efetuadas nas redes sociais da universidade”, afirma a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da Unesc, Normélia Ondina Lalau de Farias. Ela ainda conta que os futuros acadêmicos que foram até a universidade realizar a matrícula tiveram auxílio até mesmo na organização dos documentos, para que tudo desse certo. “Via Neabi, ajudamos em tudo que foi possível. Articulamos de todas as maneiras, para que quando a documentação fosse entregue tudo estivesse correto e não houvesse desistência”, diz.

Passados dois meses, o Neabi ainda faz o levantamento para saber quem realmente está cursando e se não houve evasão. “Felizmente não tivemos notícias de desistências e estamos satisfeitos que alguns já foram até mesmo encaminhados para o mercado de trabalho. Pois não basta inseri-los no meio acadêmico, se faz necessário que haja uma política de permanência”, destaca. E mesmo sem os dados concluídos, Normélia considera o programa como uma realização. “Ainda temos muito pela frente, mas acredito que plantamos uma grande semente”, fala em tom de orgulho.

Para Julian, estar na faculdade é apaixonante

Cursando ciências da computação, o acadêmico Julian Sebastiana da Silva, 35 anos, conta que os primeiros meses de aula na Unesc estão sendo apaixonantes. “Minha intenção era engenharia mecânica, pois já atuo no setor, só que vaga só tinha para ciências da computação uma área totalmente diferente do que eu imaginava. Fiz a matrícula para aproveitar a oportunidade, mas pensando em trocar de opção no próximo semestre, mas me identifiquei tanto com o curso que não vou mais mudar”, contou entre sorrisos.
Julian já conseguiu estágio em uma empresa de software e bolsa de 100% para estudar inglês, segundo ele, tudo por intermédio do Neabi que o auxiliou até na confecção de currículo. “Já me considero um vencedor. Não largo mão de minha graduação. Vou me esforçar e, com certeza formado, irei conquistar uma boa vaga no mercado de trabalho. Serei o melhor profissional possível”, fala entusiasmado.

Julian já conseguiu estágio em uma empresa de software e bolsa de 100% para estudar inglês | Foto: Clarissa Crispim/Portal Litoral Sul

Único estudante negro da turma, ele comenta que foi muito bem recebido por seus colegas de curso, mas só lamenta por outros estudantes que entraram na Unesc na mesma condição do que ele terem desistido. “Estava muito tempo sem estudar, comecei com um mês de atraso e estou me virando. Confesso que existe uma grande dificuldade de minha parte, mas tenho certeza de que dá pra superar. O estágio irá me abrir portas, basta ser determinado”, diz confiante. Para o futuro, Julian prevê atuar em uma grande multinacional e com o salário, adquirir uma casa própria para ficar mais próximo dos filhos e demais familiares.

Unesc é única universidade comunitária que possui Bolsa Equidade

Coordenadora da Secretaria de Diversidades e Políticas de Ações Afirmativas, psicóloga mestra Janaína Damásio Vitório, conta que a Unesc é a única universidade comunitária que possui esse programa. A avaliação integra o perfil socioeconômico a heteroidentificação, um procedimento que substitui à autodeclaração que consiste na percepção social, na avaliação do fenótipo para a identificação étnico-racial.

Coordenadora da Secretaria de Diversidade e Políticas de Ações Afirmativas, Janaína Damásio Vitório | Foto: Clarissa Crispim/Portal Litoral Sul

“O programa contou com o apoio dos coordenadores de cursos. Eles aprovaram essa iniciativa. Ouvimos muitas declarações positivas. Em janeiro do próximo ano um novo edital será lançado e a intenção é de que mais pessoas se inscrevam”, aposta Janaina.

Na percepção da professora e coordenadora do curso de Ciências Contábeis da Unesc, Milla Lúcia Ferreira Guimarães, o Programa de Equidade Racial foi importante para os 54 anos de histórias da universidade. Embora não saiba precisar, a coordenadora calcula que recebeu em torno de seis acadêmicos por meio da Bolsa Equidade.

“Acredito que seja algo muito importante, não só para os alunos que estão tendo acesso a essa bolsa, como para seus colegas de sala de aula e nós professores. Há uma riqueza de integração, cultura, realidades e um se ampara no outro. O jovem tem essa abertura, essa vontade de conhecer o próximo. Muito embora no começo até se formem ‘panelas’, no decorrer do semestre os grupos se misturam”, diz ela.

Professora e coordenadora do curso de Ciências Contábeis da Unesc, Milla Lúcia Ferreira Guimarães, ao centro | Foto: Clarissa Crispim/Portal Litoral Sul

A inserção dos estudantes que estão entrando por meio dessa bolsa abrilhanta ainda mais a missão do curso de ciências contábeis. “Fiquei feliz em conhecer a história de cada um deles. Alguns achavam que cursar uma universidade estaria fora de seu alcance. A Unesc tem outros tipos de bolsas, mas acredito que essa, teve uma identificação, um carinho e um acolhimento maior. É algo que veio para ficar”, finaliza a coordenadora.

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