Um 2023 desejante para vocĂȘ!
Aquela sensação de que algo falta sempre vai existir, mas a gente pode fazer desse vazio um trampolim para viver mais intensamente.Â
Eu gostaria de poder escrever para vocĂȘ aqui uma lista de passos para tornar seu 2023 mais feliz. Ă isso que muita gente faz na internet e nas redes sociais. Mas venho aprendendo Ă base de muito estudo e, principalmente, por experiĂȘncia de vida, que esse tipo de receita costuma ser pouco eficaz.
Todo mundo sabe que certos håbitos e comportamentos podem gerar uma vida mais equilibrada, organizada, saudåvel, tranquila e até mais feliz. Mas, acredite, no fundo, no fundo, esses adjetivos que parecem descrever a vida ideal não servem para a maioria das pessoas.
A rotina ajustada, de emoçÔes leves, em algum momento reclama por aventura. E o que Ă© aventura senĂŁo uma experiĂȘncia mais radical e menos trivial?
Acontece que o que acelera um coração humano nĂŁo faz nem cĂłcega no outro. Enquanto um vibra loucamente com a conquista do seu time, o outro desliga a TV ao primeiro apito e vai ler um bom livro. Enquanto um se esbalda em uma nova e deliciosa receita gastronĂŽmica o outro corre uma hora sem parar tentando eliminar a Ășltima cĂ©lula adiposa do organismo.
Esses exemplos podem soar como uma conversa sobre hobbies, mas o ponto onde quero chegar é mais profundo. Os hobbies até se encaixam aqui, porque falam de algo que escolhemos fazer por prazer e não por necessidade, obrigação ou recomendação alheia. Eles dão boas pistas sobre quem somos. E aqui chego ao centro dessa breve reflexão de fim de ano.
Quero falar de desejo. Como psicanalista, posso assegurar a vocĂȘ que, embora pareça contradição, costumamos fugir do nosso desejo. Quando o encaramos, algo lĂĄ no fundo nos provoca uma certa angĂșstia, porque todo desejo aponta para uma falta. Se estivĂ©ssemos completos, por lĂłgica, nĂŁo haveria desejo. Mas quem disse que a gente lida bem com a ideia de incompletude? Ă por isso que este tempo de promessas de vida plena anda deixando muita gente confusa. Sobram garantias de que os produtos A, B ou C irĂŁo preencher o seu vazio. AĂ vocĂȘ vai lĂĄ, compra e âbingoâ, outro vazio aparece, e mais outro, e mais outro…
Resumindo, nĂŁo hĂĄ como fugir do vazio. Mas talvez exista uma forma de melhorar a experiĂȘncia de viver mesmo com a paradoxal e constante presença dessa falta: bancar o seu desejo. Isso nĂŁo Ă© tĂŁo simples quanto parece, porque o desejo nĂŁo se apresenta de maneira clara e Ăłbvia. Mas em vez de passar horas e horas nas telas e vitrines apreciando os produtos A, B e C que os outros dizem ser o caminho da felicidade, talvez valha um mergulho honesto em si em busca do que realmente faz seu coração vibrar.
Nunca Ă© um processo fĂĄcil, mas com certeza Ă© uma experiĂȘncia libertadora. Portanto, apesar de nĂŁo gostar de dar conselhos, ouso dar um pitaco para sua entrada em 2023: banque seu desejo!
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PS. Estou completando meu primeiro ano aqui como colunista. Foi um prazer compartilhar com vocĂȘ ao longo desse perĂodo ideias e reflexĂ”es sobre psicologia, psicanĂĄlise e saĂșde mental. Agora, faço uma pausa. SaĂșde mental tambĂ©m se conquista com descanso. Retorno no inĂcio de fevereiro. Boas festas e atĂ© breve!
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FĂĄbio Cadorin (@fabiocadorin) Ă© psicĂłlogo, jornalista, professor e doutor em CiĂȘncias da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saĂșde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.