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Sobre faltas, vazios e recomeços

“Que a vida é imprevisível e que não dá para controlar tudo já sabíamos, mas não de um modo tão radical”

Dia desses, li uma entrevista da atriz Fernanda Montenegro, ícone maior do teatro nacional, após sua eleição para a Academia Brasileira de Letras. Do alto de seus 92 anos, extremamente lúcida e sensível, falou sobre a finitude da vida. “Tudo já é meio uma despedida para mim. Uma hora acaba. Não tem jeito”, declarou.

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Essa visão aparentemente dura, mas realista, nem de longe pareceu desânimo ou lamento. Pelo contrário. No caso de Fernanda, mostrou-se como potência. Ela já tem projetos para desenvolver tão logo termine a pandemia do coronavírus: duas peças de teatro e um trabalho de sensibilização de plateias que têm pouco ou nenhum acesso às artes. Na prática, o que Fernanda nos diz é que enquanto há desejo, há vida.

A reflexão me soa apropriada para um ano que termina, e especialmente para 2021, em que acumulamos o cansaço de encarar uma pandemia global. Embora – sejamos honestos – pouca coisa mude concretamente com as viradas de ano, já que a maior parte dos novos projetos costuma perder fôlego muito rapidamente, todo encerramento de ciclo é um momento simbólico. E este, talvez, seja ainda mais.

Muitos vão começar o próximo ano com um vazio extra: pessoas amadas morreram, empregos foram pelos ares, relações se desfizeram, projetos ficaram em suspenso, hábitos e rotinas foram quebrados… Sem querer romantizar o caos e o sofrimento, dá para extrair algum aprendizado deste momento crítico.

Que a vida é imprevisível e que não dá para controlar tudo já sabíamos, mas não de um modo tão radical. O ano de 2021 termina deixando a sensação de que faltou viver muita coisa ou de que muito se perdeu. Mas, em lugar de lamento, acredito ser possível fazer como a nossa genial artista que, ciente de que já viveu mais de nove décadas e de que “uma hora acaba”, sustenta o desejo de fazer o possível com o tempo que tem.

Para muitos de nós, talvez haja bem mais tempo. Mesmo assim, algo há de faltar, sempre. Então, em vez de sonhar com um novo ano de plenitude impossível, prefiro olhar para a frente querendo fazer o melhor, já sabendo que algo irá faltar. E tudo bem. A falta gera desejo e desejo é vida.

Fábio Cadorin  é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o nosso psiquismo.

instagram: @fabiocadorin

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