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Usuários declaram amor “romântico” por Inteligência Artificial

Estamos adoecendo ou esse é mesmo o futuro das relações?

Homens e mulheres apaixonados por máquinas. O que antes aparecia como ficção no cinema e na literatura agora acontece na vida real. É cada vez maior a quantidade de pessoas que relatam nas redes sociais sua relação amorosa com alguma Inteligência Artificial (IA) por meio de equipamentos tecnológicos.

Estamos adoecendo ou esse é mesmo o futuro das relações?

Exemplo emblemático no cinema, o filme Her (2014) trouxe o caso de amor entre Theodore e Samantha. Theodore, interpretado pelo genial ator Joaquim Phoenix, é um homem solitário que compra um sistema de inteligência artificial. O sistema permite ser configurado para responder como uma “pessoa”, conforme os gostos e necessidades do usuário. Assim, nasce Samantha e não demora para a IA conquiste o coração do protagonista. 

Não pretendo dar spoiler, mas posso contar que, no fim, Theodore perde o controle da situação.

A palavra “controle” aqui não foi usada ao acaso. Se existe algo sobre o qual não temos qualquer controle é o amor. Por mais que tenhamos ideias sobre o que é o amor, o amor ideal, o amor verdadeiro, o amor que desejamos, ele jamais estará sob nosso domínio. 

Amamos o outro porque supomos ter algo que complete a falta dele. Amamos porque supomos que o outro tem algo que nos complete. Mas amar, por mais que alimente nossa fantasia de completude, é, acima de tudo, reconhecer nossa mais absoluta e insanável incompletude.

Em matéria de amor, o sucesso das máquinas aponta nosso fracasso em admitir a falta que nos constitui. Bastam alguns dados e comandos para que a IA se adapte e corresponda aos nossos gostos, necessidades e desejos. Ela exige menos do que oferece, está sempre pronta, não reclama, não critica nossas falhas e não nos abandona. É o sonho de qualquer relação amorosa, certo?

Errado!

Esse tipo de uso da IA, assim como todos os produtos e serviços que prometem aplacar ou acabar com a nossa sensação de incompletude, não passa de recurso mercadológico sustentado pela nossa infantil fantasia de onipotência, quando supostamente as pessoas e o mundo estão aos nossos pés.

Amar é se lançar à incerteza, é se entregar sem garantias, é oferecer com o risco de não receber, é querer o “para sempre” aceitando que qualquer hora tudo pode acabar, até mesmo a vida. Esse é o salto psíquico do adultecer.

Acima, questionei se estamos adoecendo ou se o futuro das relações está fadado à mediação pela tecnologia. Bem, o futuro é incerto. Mas posso assegurar que enquanto mantivermos a ilusão de um amor com garantias, ainda que seja por uma máquina, teremos perdido a alegre aventura que é viver com a expectativa de que algo novo, inesperado e supreendente aconteça a qualquer momento.

Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.

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