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Demissão silenciosa: sim ou não?

Movimento propõe mínimo esforço possível no trabalho como estratégia para encontrar equilíbrio, mas isso pode ser também um risco

Concedi entrevista a uma emissora de televisão nesta semana sobre um tema que me botou pra pensar. Você já ouviu falar em “demissão silenciosa” ou quiet quitting”, no original em inglês?

Esse é um movimento global relativamente recente que estimula a busca por mais equilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo destinado a outras atividades da vida, sobretudo àquelas mais leves e prazerosas. O objetivo é colocar limites mais claros entre vida profissional e pessoal e, também, evitar sobrecarga e jornadas excessivas.

Em um primeiro momento, parece um movimento não apenas interessante como necessário, já que preocupam muito os índices de pessoas adoecidas por causa da carga elevada de trabalho. Porém, fico receoso em relação à estratégia proposta pelo movimento para a conquista do equilíbrio desejado: fazer o mínimo esperado para a função.

Óbvio que não é aceitável um trabalhador realizar tarefas extras sem remuneração e que é preciso mudar o tipo de cultura organizacional tóxica. Mas a ideia que enaltece o mínimo esforço pode ser muito perigosa.

O movimento da “demissão silenciosa” tem ganhado força principalmente entre a geração mais jovem, aquela que já nasceu com a internet. É uma geração altamente criativa, ágil, fluida, com muito acesso à informação. Só que é também pautada por um estilo de vida bastante inspirado em modelos das redes sociais, em sua maioria pouco realistas.

A vida adulta pode ser ótima, mas nunca foi fácil. É cheia de desafios, exige esforço, tem frustrações, medos, inseguranças… É como o trabalho, que pode ser muito prazeroso e gratificante, mas raramente é feito só alegrias.

Abrir mão de uma atividade profissional com mais engajamento é reflexo das relações mais frouxas da chamada pós-modernidade. Antigamente, a relação com a empresa onde se trabalhava também constituía uma espécie de identidade pessoal, o que gerava uma certa sensação de estabilidade e segurança.

Não sou saudosista nem estou propondo uma volta ao passado. Apenas constato que o modelo que vem ganhando espaço – e que o quiet quitting reforça – também não parece o mais adequado. Basta ver que os jovens de hoje estão sofrendo de solidão. As pesquisas dizem isso. E o que é a solidão senão consequência da falta de conexões. Boa parte das atividades profissionais é realizada em equipe. Quem não está engajado no trabalho provavelmente também não está conectado a pessoas com quem passa boa parte dos dias.

O nome do movimento costuma ser traduzido, ainda, como “desistência silenciosa”, o que aponta para outra reflexão fundamental. Se as condições de trabalho não estão favoráveis a uma vida equilibrada, a melhor saída é desistir? Será que o silêncio vai promover alguma mudança cultural no campo do trabalho mais efetiva do que uma reivindicação justa?

O mundo tem problemas demais. Olhar para eles e sair de fininho não traz solução. Em vez de uma demissão silenciosa, que tal o diálogo e mais ações construtivas?

 

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Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.

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