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A história das cores rosa e azul: será que cor tem gênero?

Nem sempre foi assim

Será que cor tem gênero? Embora muita gente ache que sim, não há nenhuma razão biológica para dizer que rosa é cor de menina e azul, de menino. Nem sempre foi assim! Conheça a história das cores rosa e azul e entenda de uma vez por todas que todo mundo pode usar a cor que quiser.

As discussões sobre gênero sempre estiveram presentes em nossa história. Mas o que poucos sabem é que as cores rosa e azul foram impostas relacionado a gênero em um passado recente.

Se uma mãe que criou seus filhos no início do século 20 entrasse em uma loja infantil hoje em dia, ficaria horrorizada com as roupas destinadas às garotinhas: nessa época, o rosa lembrava o vermelho do sangue, simbolizando força e masculinidade. Por mais estranho que nos pareça, esse padrão só se modificou com a industrialização dos EUA no pós-guerra.

Para entender essa história, precisamos voltar a um passado anterior à associação entre cores e gênero. Na Inglaterra vitoriana, a cor branca e tons pastéis eram o padrão das vestimentas infantis, como foi descrito por Jo B. Paoletti, professora da Universidade de Maryland, em seu livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America.

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Isso não acontecia por existir uma maior democratização em relação ao gênero, mas sim por questões econômicas: na época, a indústria da moda infantil com consumidores sedentos por roupas específicas era quase inexistente. E como era caro produzir roupas com tinturas, as cores eram destinadas às pessoas mais velhas e camadas nobres da população.

Barão d’Holbach pelas mãos do pintor Louis Carmontelle. Já́ no século 18 o rosa era uma cor máscula

Nem sempre foi fácil produzir tecidos, quanto mais tingi-los das cores desejadas. Na idade média, cores eram usadas somente pelas cortes reais. Os mais nobres podiam pagar verdadeiras fortunas para ter uma cor forte e consistente nos seus mantos e vestidos da realeza. Era comum ver a cor púrpura e os tons de vermelhos nos trajes reais, uma vez que os tingimentos eram precários e naturais, usavam os tons que a natureza proporcionava com maior força e fixação. O tom de vermelho por sua vez, se tornou símbolo de poder, dos nobres e também dos exércitos. Facilmente identificado com a cor do sangue, essa cor forte trazia o simbolismo de poder a quem o usava.

Exército Romano, usando trajes de cor vermelha desde essa época

Com lavanderias precárias poderiam desbotar roupas coloridas. Bebês utilizam e trocam muito suas peças de roupas, principalmente até o desfralde, ou seja, fazer suas necessidades sozinhos. Por praticidade e falta de recursos abundantes como hoje, as crianças usavam BRANCO, sendo meninos ou meninas. O branco era uma cor clara, fácil de lavar e alvejar em quantidade grande, sim, não tinham os produtos de limpeza como o nosso maravilhoso Vanish hoje em dia, rs..

Além de prático, era comum que as famílias de antigamente tivessem muitos filhos. Usando roupas neutras não importava o sexo do bebê ele poderia aproveitar e usar as roupas dos irmãos.

Outra característica intrigante sobre as roupas infantis da época era o uso de vestido. Ambos os sexos tinham esse item como essencial, provavelmente pela facilidade na higiene e movimentação dos pequenos – um belo exemplo disso é a famigerada foto do estadista Franklin Delano Roosevelt aos 2 anos de idade, mostrando a adesão dos EUA aos padrões vitorianos. A partir dos cinco anos, os padrões de roupas começaram a se diferenciar para ambos os sexos.

Roosevelt à moda vitoriana

A COR DO PODER

Entre o fim do século 19 e o início do século 20, passou-se a definir as cores “certas” para cada gênero, de acordo com padrões que vinham do século 18: era o contrário do atual. O rosa antigo era uma espécie de vermelho claro, um vermelho diluído assim por dizer. Como disse acima, as tecnologias de tingimento eram remotas e o rosa que conhecemos hoje é realmente mais suave e delicado. O rosa antigo é mais vermelho.

Vermelho é uma cor forte, vibrante, quente, que por sua vez expressava o poder e o sangue das vitórias. Por isso, homens usavam esses tons de vermelho que chegavam à rosa. E os meninos tinham que usar vermelho e derivados para adquiri essa hombridade, essa força que a cor imprimia.

Segundo Gavin Evans, o escritor e especialista em cores, o azul sempre foi associado à Virgem Maria sendo a cor de seu manto, significava a pureza, divindade, era a cor do céu e quem o usasse estaria mais próximo dessa delicadeza e pureza celestial, enquanto o rosa estava ligado ao vermelho, visto como uma cor forte e enérgica que traria mais masculinidade aos garotos.

Essas questões, puramente sociais, que vinham desde séculos anteriores, determinavam um suposto “padrão psicológico” para o uso das cores.

Em 1927, após uma pesquisa em diversas lojas de departamento norte-americanas, a revista Time concluiu que a dicotomia entre rosa e azul não era unanimidade: três lojas recomendavam rosa para meninos, outras três, para meninas. Uma última recomendava rosa para ambos, sem distinções.

No texto introdutório da Time, lê-se: “Na Bélgica, a Princesa Astrid (…) deu à luz na noite anterior a uma filha de 3,1 kg. Disseram os despachos: ‘O berço foi enfeitado de rosa, a cor para os meninos, sendo a das meninas o rosa’. Disseram muitos leitores de jornal dos EUA: “O quê? Rosa para um GAROTO? Na nossa família, nós temos usado rosa para GAROTAS, e azul para garotos”.

QUANDO O JOGO VIROU?

Quando foi que menino deixou de ter o rosa como cor oficial? A partir dos anos 30 nos EUA, o Azul que era a cor do divino de Maria, começou a ser colocado em brasões, bandeiras, escudos e armamentos. O Azul num tom mais escuro se tornou um símbolo de conexão e poder político e bélico. Portanto, próprio para os homens. Foi apenas na esteira da Segunda Guerra Mundial que o cenário mudou.

Já em Versailles, a Marquesa de Pompadour acreditava que o ROSA era uma cor refinada e diferente do que as mulheres da época usavam. Aderiu aos seus vestidos e instigou outras mulheres, cortesãs e as filhas dessas mulheres a olharem para o Rosa com outros olhos.

Jeanne-Antoinette Poisson, Marquesa de Pompadour, mais conhecida como Madame de Pompadour, ou simplesmente apelidada como Reinette, foi uma cortesã francesa e amante do Rei Luís XV da França considerada uma das figuras francesas mais emblemáticas do século XVIII.

Daí por diante até 1950 as cores para homens/meninos e mulheres/meninas era bem neutra, com uma tendência, porém NADA definido. Após a 2ª Guerra Mundial, a mais famosa entusiasta e divulgadora do rosa foi Mamie, a esposa do presidente Dwight Eisenhower (que governou entre 1953 e 1961). Ela foi à festa de posse de seu marido em um vestido rosa exuberante, e passou a usar a cor em muitos compromissos oficiais. Sua postura – dona de casa submissa, esposa de um militar – foi popular na elite machista da época, pré-revolução sexual. As jovens da época, que trabalharam em fábricas e vestiram roupas azuis ou pretas durante a maior parte do conflito, gostaram do contraste.

Mamie Eisenhower

No final da década de 1960, auge de movimentos sociais e do pacifismo, era comum o uso de roupas unissex para meninas. Roupas de gênero neutro permaneceram populares até que em meados da década de 1980 o rosa se impôs definitivamente na paleta de cores de produtos femininos.

Nos anos 80, a indústria inventou o ULTRASSOM. Sim aquele aparelho onde vemos o bebê e faz-se ao longo de toda gravidez hoje em dia. Com a ascensão desse exame, as mães podiam saber o sexo dos bebês ainda na barriga e poder planejar os quartinhos, enxoval.

Poderiam ser de várias cores certo? Errado. Interessante era definir uma cor para cada gênero, porque assim diminuiriam as chances de se aproveitar enxovais itens entre irmãos, primos, etc. Neste caso, incentivar o consumo de tudo novo.

Sim, fomos pegos pela indústria de varejo e mercado de bebês que vem até hoje em crescente com peças totalmente diferentes para meninos e meninas.

Com o tempo, essa dicotomia foi se espalhando para brinquedos, acessórios, berços e desenhos animados, agitando a indústria infantil e gerando os padrões que hoje temos como verdade.

Segundo a psicanalista Fani Hisgail, “A afinidade com alguma cor não determina personalidade ou sexualidade”. Pelo contrário: ter afinidade a algo não pertencente ao seu gênero determina apenas o modo como nossa sociedade ressignifica valores e crenças através dos tempos.

Aliás, é sempre bom lembrar da diferença entre gênero e sexualidade: enquanto orientação sexual é a atração por pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente ou ambos, gênero é a forma como a pessoa se identifica, não dependendo de sexualidade ou do órgão com o qual a pessoa nasceu.

É pelo fato de serem socialmente construídos (como bem demonstram as cores azul e rosa) que gêneros podem ser criados, modificados e transformados, gerando inúmeras possibilidades de “ser humano”.

Pensando na cultura da época, os sentimentos que a cor trazia eram esses. Eu confesso que acho azul claro uma cor realmente muito delicada e suave, sem pensar em demais características religiosas. E você o que acha?

O QUE FAZER COM ESSA INFORMAÇÃO?

Acredito que entender a origem das coisas, nos permite retirar paradigmas e fazer com que daqui para frente possamos tomar decisões de acordo com as nossas preferências pessoais. Decisões reais e não impostas por um mercado de massa que visa padrões e nos torna apenas seguidores disso. Mas sim, donos da nossa própria decisão e pluralidade. A ideia é entender e compreender para libertar.

Hoje em dia várias marcas jovens estão retomando cores, formas e estímulos para que não exista essa história de gêneros para as cores. Para saber mais, um bom livro é Pink and Blue: Telling the Girls From the Boys in America, de Jo B. Paoletti – que infelizmente não tem uma versão em português.

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