Máscaras para esconder a “feiura”
Insatisfeitos com a própria imagem, adolescentes andam usando máscaras de proteção contra o coronavírus como desculpa para encobrir o rosto
Não é de hoje que o comportamento da atual geração de adolescentes causa certa preocupação. Conectados ao mundo digital, uma espécie de universo paralelo onde quase tudo é possível, muitos desses garotos e garotas ficam cada vez menos confortáveis com a “vida real”.
Nos últimos dias, saíram na mídia reportagens revelando que a máscara antes usada como proteção contra o coronavírus acabou virando acessório para esconder a suposta feiura do rosto. Sim, tem adolescente usando máscara simplesmente para se esconder.
Essa geração nasceu podendo fazer fotos e vídeos com filtros, luz e enquadramento perfeitos. Então, a exposição cara a cara, nua e crua, se tornou uma espécie de ameaça. Revelar quem de fato se é virou um problema para muitos.
Bem sabemos, sempre existiu um certo sentimento de inadequação entre adolescentes. A transição da infância para a vida adulta é marcada por uma série de transformações físicas e psíquicas. Em pouquíssimo tempo o sujeito percebe a si mesmo praticamente como um novo ser e se reencontrar na nova configuração não é tão fácil.
Como agravante, vivemos na era da imagem, um tempo em que parecer ganha tanta ou mais importância do que ser. Aí, para quem tem pouca experiência de vida e necessidade de reconhecimento e pertencimento, fica complicado lidar com o efeito dos hormônios sobre o corpo. A suposta feiura não combina com a vida idealizada.
E ainda tivemos a pandemia. Muitos entraram nela crianças e saíram adolescentes. Apresentar ao mundo o novo ser que surgiu nesse período – geralmente mais desengonçado, narigudo, com espinhas na pele, e por aí vai – se tornou uma experiência dolorosa para alguns.
Certamente, os que adotam a máscara para se esconder são minoria. No entanto, esse comportamento é mais um sintoma de uma geração que anda sofrendo. Mais um alerta para que nós, os adultos, além de prestar atenção e apoio aos adolescentes, principalmente por meio de boas conversas e muita escuta, comecemos a investir na formação de uma cultura que idelize menos a experiência de viver.
Nem tudo é beleza, nem tudo é sucesso, nem tudo são conquistas. Vida real é feita de altos e baixos, ganhos e perdas, erros e acertos, encontros e desencontros, beleza e feiura… Pode até ser doído encarar o lado menos desejado desses pares de opostos, mas aceitar que fazem parte da existência já é um bom começo.
A criança cresce achando que precisa ser agradável aos olhos de quem a cuida. Ciente do seu desamparo, supõe ser essa a condição para receber amor e cuidado. Mostrar seu lado “feio” é sempre um risco. Mas quando a vida vem e atropela sem dó essa fantasia, a angústia aparece. Aquilo que era um drama no mundo simbólico agora atravessa o corpo físico.
Ajudar os adolescentes nessa hora é fundamental. Tornar-se adulto é libertar-se, pouco a pouco, dessa armadilha. É entender que beleza e feiura habitam em cada um de nós. Perfeição, só mesmo nas telas.
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Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.