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Você sabia que as palavras “Encrenca” e “Sacanagem” são originadas do tráfico de mulheres?

As palavras “encrenca” e "sacanagem" teve sua origem na língua iídiche.

Talvez você nunca tenha parado pra pensar que algumas palavras que são tão comuns no vocabulário hoje em dia, podem ter nascido em situações dramáticas e até criminosas. É o caso de “encrenca” e “sacana” (e sua derivação, “sacanagem”) que de tão recorrente em nosso vocabulário cotidiano, acabou até mesmo se transformando em verbo, mas cujas origens remetem à exploração sexual e ao tráfico de mulheres no Brasil do século XIX às primeiras décadas do XX.  

Para recuperar a história desse termo, temos que nos deslocar há dois séculos atrás, em um período em que os portos brasileiros recebiam um grande número de europeus que fugiam das conturbações causadas pelo fim do Antigo Regime e as crises econômicas do próprio sistema capitalista. Vale lembrar que vários imigrantes chegaram até aqui com a esperança de enriquecer trabalhando nas crescentes lavouras de café. 

Nesse contexto de transformação e instabilidade, vemos que muitas famílias de judeus pobres da Europa ainda sofriam com as primeiras ondas antissemitas. Em alguns casos, essas famílias entregavam as suas filhas para agenciadores que lhes prometiam arranjar um bom casamento com um rico comerciante que prosperava em terras americanas. Tomados pelo desespero, muitos chefes de família acabavam deixando se levar por essas enganosas promessas. Em muitos casos, já durante a viagem, essas jovens descobriam que estavam sendo contrabandeadas como escravas sexuais em diferentes cidades do continente americano.

Em 1867, atracou no Rio de Janeiro um navio trazendo mulheres judias vindas de países do leste europeu. Trazidas por cafetões, desembarcaram no Rio 67 mulheres e outras 37 seguiram para a Argentina, todas levadas para bordéis das grandes capitais desses países. Começava uma história que se estendeu por mais de seis décadas e envolveu pelo menos duas mil mulheres obrigadas a se prostituírem.

O fetiche da prostituta de pele branca atraia a clientela masculina aos bordeis do Rio de Janeiro e São Paulo.

No Brasil, elas foram chamadas de “polacas” – termo pejorativo para as prostitutas judias de origem eslava e, mediante à sua recorrência, integraram a vida e o imaginário de vários bairros que compunham a vida noturna carioca e paulista. O biotipo eslavo atraía os cariocas desavergonhado, enquanto o jornal impresso da cidade defendia “a luta contra aquelas que, embora de descendência judaica, só merecem repulsa pois envergonham nosso povo”. Estavam nas zonas do baixo meretrício do Mangue e da Lapa, no Rio de Janeiro, e do Bom Retiro e Santa Efigênia, em São Paulo. Eram vistas, também, na zona portuária de Santos, e em Manaus e Belém, cidades ricas no período áureo da borracha.

Naturalmente, essas mulheres sofreram uma enorme discriminação por conta da posição marginalizada que ocupavam na sociedade da época. Tanto as autoridades oficiais, como as comunidades judaicas do Brasil reservavam um grande silêncio sobre a situação dessas mulheres. Contudo, essas prostitutas buscaram vínculos de solidariedade que pudessem lhes oferecer algum tipo de garantia. 

As polacas falavam o iídiche, língua muito utilizada pelas comunidades judaicas da Europa central e oriental, que mistura elementos do hebraico, eslavo e alemão. O iídiche serviu como um código secreto de comunicação entre essas mulheres. Língua dificilmente compreendida pelos frequentadores desses locais, mesmos os mais cultos e poliglotas, pois o iídiche difere muito do hebraico e do alemão. Assim, durante o seu trabalho, quando suspeitavam que um cliente portava algum tipo de doença sexualmente transmissível, elas alertavam as demais, chamando o sujeito de “ein krenke” que, em iídiche, significa “doença”. Homens com sífilis e outras DST deviam ser muito comuns, pois “ein krenke” popularizou-se entre os brasileiros transformando-se em “encrenca”, termo que hoje é utilizado normalmente para sugerir algum infortúnio.

A prostituição embora não fosse crime pelo Código Penal, sofria constantes intervenções policiais por atentado ao pudor, vagabundagem e ameaça à saúde pública. Quando a política aparecia nos bordéis, as polacas gritavam “sacana” que, em iídiche, significa “perigo”. A palavra tem a mesma raiz hebraica que sakin (punhal), sakina (bandido) e sakun (risco). Os policiais passaram a chamar as zonas de prostituição de “sacanagem”. Assim, sacana e sacanagem entraram para a língua portuguesa com o sentido pejorativo de indivíduo safado, canalha, de comportamento sem ética, libertino e devasso.

O termo “cafetão”, aquele que explora a prostituição, originou-se por analogia à vestimenta usada pelos traficantes e encarregados dos prostíbulos: o caftan ou kaftan, uma túnica que chegava aos joelhos, com mangas longas e abotoada na frente, feita de lã, seda ou algodão, vestida por russos, persas, marroquinos e outros povos. Assim, “cafetão” e palavras derivadas – “cafetinagem” (lenocínio) “cafetina” (mulher que administra o bordel ou casa de prostituição) – também nasceram nesse contexto de exploração sexual e tráfico de mulheres judias do leste europeu.  

Curioso, não? Espero que tenha gostado de conhecer a origem dessas palavras. Agradeço imensamente pela leitura até aqui, e semana que vem tem mais! Siga-me nas redes sociais:

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