Notícias de Criciúma e Região

O limite entre a saúde e o prazer humano

Apesar das contraindicações da pneumologia, um fumante exalta o hábito e o gosto pelo cigarro eletrônico

Os vícios fazem parte da história da humanidade e a gama de possibilidades se amplia cada vez mais, desde os mais simples até os mais complexos e, por vezes, ilícitos. O cigarro talvez seja um dos exemplos mais observáveis e vivos, mesmo sendo uma droga lícita e com consequências já mensuradas. No Brasil, segundo relatório da Pesquisa Nacional da Saúde (PNS) de 2019, 12,6% dos adultos são adeptos do tabagismo, número que, felizmente, vem baixando nas últimas décadas.

Por outro lado, o cigarro eletrônico, também conhecido como vape, teve crescimento considerável nos últimos anos. O dispositivo foi criado em 2003 pelo farmacêutico chinês Hon Link, após a morte de seu pai por conta de um câncer de pulmão causado pelo tabagismo excessivo. Em 2014, o mercado internacional do produto movimentou US$ 2,76 bilhões. Em 2019, esse número aumentou para US$ 15 bilhões.

De acordo com estudo da Ipec Inteligência de 2021, há mais de dois milhões de brasileiros que consomem a mercadoria. No ano anterior, eram 948 mil. Em outra pesquisa, desta vez a partir do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel), uma a cada cinco pessoas entre os 18 e 24 anos de idade usa o cigarro eletrônico.

O pneumologista Renato Matos alerta para os perigos da nicotina, uma das substâncias encontradas no cigarro eletrônico, podendo haver uma quantidade entre 3 e 5mg. Ainda conforme o médico, o elemento químico é um dos mais viciantes entre todas as drogas, incluindo cocaína, maconha e o álcool.

“O cigarro eletrônico é uma nicotina de roupa nova. A diferença é que o cigarro eletrônico tem nicotina em doses muito altas e não tem o alcatrão. Inicialmente, achou-se ele poderia ajudar as pessoas a pararem de fumar, porém os estudos que foram feitos mostram que a eficácia é muito pequena. A nicotina é a droga das quais as pessoas têm mais dificuldade em se liberar”, explica Matos.

Um dos problemas observados pelo médico é a normalização do consumo, já que o cigarro comum levou décadas para ser considerado repulsivo. “Hoje, uma pessoa que fuma em um ambiente público é mal vista. O cigarro eletrônico está quebrando esse paradigma. Pessoas fumam em baladas, em lugares públicos, e isso não é visto como uma coisa complicada. E o problema maior em relação ao cigarro eletrônico é que ele tem sido consumido por adolescentes. Já vi casos de crianças com 12 ou 13 anos, usando cigarro eletrônico, com consentimento dos pais inclusive”, pontua.

Um dos mais de dois milhões de consumidores brasileiros é o Jonas*, de 26 anos. Ele conta que começou a consumir o cigarro eletrônico em 2018, após ver um amigo utilizando o produto. Antes disso, fumava socialmente cigarro comum. Quando conheceu a novidade, percebeu que seria uma oportunidade e a usa diariamente.

“O vape tem a nicotina muito baixa, então a frequência é pequena. Como o nível de nicotina é baixo, eu acabo não sentindo aquela vontade. É mais um hábito. Eu uso todos os dias, mas é muito pouco o que uso. Na pandemia, a minha coil head – uma espécie de resistência – chegou a estragar, porque eu parei de sair e de usar. Eu acho que o máximo que eu já consumi em um dia uns 9ml”, comenta Jonas.

Perguntado sobre o que causou o prazer do consumo, ele ressalta que não se trata de um vício, mas sim de um costume, e que, em relação à saúde, isso nunca o prejudicou. “Eu gostei porque eu gostava do hábito e era uma alternativa com muito menos nicotina que o cigarro. Não são quatro mil substâncias que não se sabe o que são. É mais pelo hábito. A sensação é boa, por conta da nicotina, mas acaba se gostando de experimentar outros sabores, por exemplo. Nunca senti prejuízo a minha saúde por conta do vape”, explica.

Para o doutor Renato Matos, há uma série de questões que envolvem o cigarro eletrônico que são problemáticas, desde os elementos químicos que constituem a mercadoria até os riscos que essa “moda” pode reacender. Apesar da proibição da comercialização do item no Brasil, as pessoas assumem as ameaças vindas de cada tragada.

“O grande problema do cigarro eletrônico é criar dependência e normalizar novamente o cigarro, que vinha sendo já desprezado pela sociedade. Como ele não é permitido no nosso país, não existe fiscalização alguma. Então, podem ser colocadas as mais diversas substâncias, não só a nicotina. Para criar um odor mais agradável, uma satisfação maior para o usuário, essas misturas são feitas, podendo ocasionar doenças pulmonares graves, inclusive fatais”, argumenta o pneumologista.

Embora os riscos apontados pelo consumo contínuo de nicotina, Jonas afirma que não se preocupa, pois crê que o tabagismo seja mais prejudicial. “Não me importo, porque eu gosto. Então, se for para escolher algo para fumar, que seja isso e não um cigarro, que acredito que tenha mais malefícios. Nunca tentei parar de usar, mas já parei sem querer por falta de hábito e não estar saindo de casa. É muito difícil se viciar quimicamente no vape”, opina.

O pneumologista, por fim, acredita que o cigarro eletrônico pode reavivar problemas na sociedade. Para justificar, ele relembra uma situação pela qual passou recentemente. “Nós atendemos um caso em Criciúma em que uma menina fez uso em alta quantidade durante o final de semana e foi internada em insuficiência respiratória. Felizmente, ela foi atendida a tempo e teve uma boa resposta. Então, o cigarro eletrônico é um problema muito sério”, alerta Matos.

Funcionamento do cigarro eletrônico

Foto: Reprodução

O cigarro eletrônico funciona à bateria, simulando o funcionamento de um cigarro. Ele contém nicotina em líquido, além de outras substâncias alergênicas, explosivas e até cancerígenas. Essa mistura é aquecida liberando vapores em vez de fumaça. O vape é formado por uma bateria, um sensor que ativa o atomizador sempre que o usuário inala o vapor, um atomizador que aquece o líquido liberando o vapor, um reservatório contendo o líquido e um bocal por onde sai o vapor.

*Nome fictício

Você também pode gostar