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Mão de obra carcerária: oportunidade aos detentos e economia ao cofres públicos

Caminhão do Corpo de Bombeiros está sendo reformado pelos detentos da Penitenciária Sul de Criciúma

Pistola de pintura, tinta automotiva, massa de funilaria e máquinas de solda. Um caminhão completamente danificado pela ação do tempo, desmontado e em processo de reforma. Poderíamos estar falando de uma empresa de funilaria e pintura comum, dessas que encontramos no bairro, próximo de casa. Mas esse é outro tipo de negócio: uma funilaria tocada pela mão de obra carcerária, dentro da Penitenciária Sul de Criciúma. 

O caminhão que passa por reforma é do 4ª Batalhão de Bombeiros Militar e atualmente estava no Corpo de Bombeiros de Passo de Torres, no Extremo Sul de Santa Catarina. O veículo, em uso pela instituição há quase duas décadas, estava com parte da lataria enferrujada, pintura desgastada e peças danificadas, precisando de uma reforma urgente.

“Apesar de estar em operação há quase 20 anos, a mecânica está em boas condições e a bomba de combate a incêndios em excelente estado. Essa viatura já operou em Criciúma, Urussanga e antes de ir para reforma estava em Passo de Torres. Nesse último local, a proximidade com o mar acabou deixando a lataria da viatura bem danificada. Da forma como estava, era uma viatura praticamente inservível e com um custo de reparo muito alto”, explica o comandante da 1ª Companhia do 4º Batalhão do Corpo de Bombeiros Militar de Criciúma, capitão Rafael de Fáveri.

A reforma é feita a várias mãos. O Governo municipal de Criciúma firmou parceria com o Corpo de Bombeiros e o Corpo de Bombeiros fez uma parceria com a Penitenciária, encaminhando o veículo para a reforma com a mão de obra dos presos. Uma forma de economizar verba dos cofres públicos e aproveitar a habilidade dos detentos, que são beneficiados com os serviços que prestam dentro da prisão. “Para realizar esse serviço, o Corpo de Bombeiros fornece os equipamentos necessários e a Penitenciária utiliza os detentos para realizar a mão de obra. O caminhão estava há aproximadamente um ano parado aguardando a reforma”, frisa Faveri.

Um dos detentos da Penitenciária, João*, profissional que tem quase 50 anos de experiência com funilaria, é o responsável pela execução do trabalho. Ele e mais três presos desmontaram todo o caminhão e estão reformando as peças. Todo o trabalho necessário, como remoção da ferrugem, emassamento, pintura e remontagem, é feito por eles. 

“É uma restauração que a gente tem que fazer tudo com detalhes, peça por peça. Tem peças que moldamos e fizemos o desenho, pois não existem mais, por ser mais antiga e não ter fabricação. A pintura levamos mais de 30 dias para preparar, depois tem que aplicar um fundo, lixar, corrigir algumas falhas, até chegar o final da pintura. A gente dá uma cobertura com vermelho, seca, lixa e depois dá mais umas três ou quatro demãos, para depois começar a montagem”, explica João.

Economia aos cofres públicos

A reforma deste caminhão do Corpo de Bombeiros iniciou há 30 dias e levará aproximadamente seis meses para ser concluída. João estima, pela experiência que tem na área, que o valor economizado de mão de obra aos cofres públicos gira em torna de R$ 100 mil. Paralelo aos trabalhos deste caminhão, os detentos estão trabalhando em contêineres que serão instalados nas praias da Região Sul do Estado para o serviço de guarda-vidas.

“O Corpo de Bombeiros e a Penitenciária Sul vêm trabalhando em conjunto em diversos serviços. Eles nos auxiliaram a reformar a sede provisória do Corpo de Bombeiros Militar de Criciúma, reformaram o caminhão do Corpo de Bombeiros Militar de Forquilhinha e estão adaptando contêineres e transformando em postos de guarda-vidas que serão instalados em nossas praias. Tudo isso com a mão de obra dos detentos, com a gestão interna da Administração da Penitenciária, a um custo muito baixo se comparado a contratação normal de mercado, gerando grande economia aos cofres públicos”, frisou o capitão.

Os presos também já realizaram a pintura de outros veículos da Polícia Penal e até a reforma de leitos de hospitais. Conforme o diretor da Penitenciária Sul de Criciúma, Johnny Cascaes Inácio, a qualidade da mão de obra dos serviços e a estrutura para trabalhar que tem nesta unidade, não é encontrada em outra cidade do Estado.

O que a gente faz aqui, a qualidade da mão de obra, não temos em prisões da região. Todo mês temos alguém pedindo para mandar uma viatura para a nossa Penitenciária arrumar. Inclusive já recebemos pedido de outras cidades. Temos 940 detentos aqui, aproximadamente 400 trabalham dentro da Penitenciária nesses trabalhos e nas fábricas de janela e de bag”, conta.

Oportunidade e benefício aos detentos

O funileiro João também ficou responsável por ensinar os detentos que realizam as reformas com ele. Os auxiliares, que antes trabalhavam em outras profissões, tiveram que aprender a funilaria “do zero”. Um dos ajudantes, José*, que era servente de pedreiro, agora é quase profissional no ramo e pretende seguir trabalhando com isso depois de cumprir a pena.

“Comecei a trabalhar aqui na penitenciária em 2021. Não sabia nada de chapeação, aprendi do zero. Hoje sei fazer tudo, sempre com a orientação do seu João. Eu queria uma oportunidade de serviço. Antes ficava o dia todo na cela sem fazer nada. Agora, eu gosto de trabalhar aqui. Quando eu sair, se tiver a oportunidade, quero continuar fazendo a mesma coisa”, frisa José.

Agora, quando os detentos terminarem de cumprir a pena pelos crimes cometidos, sairão da prisão com outra profissão, podendo trabalhar no ramo futuramente. “É uma forma que a gente consegue de dar uma nova profissão para eles. Por muito tempo tivemos a atividade de fazer prendedor de roupas, mas quando o preso saía daqui, não tinha trabalho. Com esse tipo de ação com Corpo de Bombeiros e hospitais, é um meio de utilizar a mão de obra deles para um serviço social e uma forma de recompensar a sociedade pelo ato que ele cometeu”, frisa Cascaes.

Detentos trabalhando no caminhão dos Bombeiros – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Outros serviços executados dentro da penitenciária

Pra muitas pessoas, parece difícil imaginar que tudo isso acontece dentro de um local cercado por muros altos, onde as pessoas estão lá para pagar pelos crimes que cometeram. Mas os detentos também trabalham com outras atividades como as próprias reformas que são feitas dentro da Penitenciária. Os apenados também fabricam móveis e reaproveitam todos os materiais possíveis.

“Fizemos uma reforma na Casa de Revista que os próprios presos foram os pedreiros, reformaram e pintaram. Agora, estão fazendo os móveis. Não gastamos nada com esses trabalhos. É muito difícil uma empresa ter que vir aqui dentro fazer algum serviço”, comenta o diretor.

Móveis que serão colocados na sala de revista da Penitenciária – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul
Preso trabalhando na fabricação de móveis para a sala de revista – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

 

*João e José são nomes fictícios utilizados nessa reportagem

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