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Fitoterapia promove saúde e oportunidade para as detentas da Penitenciária de Criciúma

Chás foram implantados na Penitenciária Feminina na pandemia e a ideia tem crescido a cada dia

Muitas pessoas têm o hábito de tomar chá durante o trabalho, antes de dormir ou até em dias mais frios para ajudar a aquecer. Outros, usam as ervas medicinais apenas quando passam por algum problema de saúde e buscam nas folhas o alívio de uma dor, como o conhecido chá de Boldo, para o sistema digestivo. Ainda tem aqueles que vivem da venda de chás e investem tempo no cultivo e na preparação para a comercialização.

Foi há aproximadamente quatro anos que a farmacêutica química e mestre em Ciências Ambientais, Vera Lúcia Arruda, deu um novo sentido para as plantas. Coordenadora da Saúde na Penitenciária Feminina de Criciúma desde 2018, ela viu nos chás uma oportunidade de ressocialização. Vera teve a ideia de implementar a fitoterapia na rotina carcerária com o intuito de ser um “passatempo” para as detentas.

A ideia inicial era que as mulheres detidas tivessem contato com algo que pudesse mantê-las ocupadas e, ao mesmo tempo, trouxesse benefícios para o sistema carcerário durante a pandemia de Covid-19. “Vimos, naquela época, que havia uma grande necessidade de mudar a situação de convívio. Havia muitas mulheres que estavam isoladas aqui dentro, devido à pandemia. Muitas não recebiam visitas e a situação ficou ainda pior”, contou Vera.

Surge então, entre o final de 2019 e o início de 2020, a produção de chás fitoterápicos na Penitenciária. Mas, o que Vera não imaginava é que a ideia ganharia força e seria aceita entre as detentas, policiais penais, comunidade e instituições da cidade. Uma das maiores parceiras do projeto, que abraçou a causa desde o início, é a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).

Chás prontos para consumo – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

“A Vera entrou em contato com a gente pedindo ajuda para iniciar a Fitoterapia na penitenciária. Como temos um projeto que realizamos atividades com algumas instituições, como as prefeituras, acrescentamos no edital a Penitenciária e foi aprovado”, conta a coordenadora de projetos de extensão na área de Plantas Medicinais com foco na prática clínica da Unesc, Angela Rossato.

Com o auxílio da Pastoral da Saúde de Criciúma, a Unesc forneceu as mudas das plantas para a Penitenciária e realizou o estudo para especificar cada tipo de planta. O objetivo era identificar a finalidade de cada chá e para qual problema de saúde ele poderia ser utilizado. 

“Geralmente conhecemos o chá pelo nome popular dele. Mas uma planta pode ter vários tipos e diferentes finalidades. Então é necessário conhecer e saber para qual tratamento aquela planta será indicada”, explica Angela.

Como os chás seriam utilizados para uso medicinal, era necessário a certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com todo o procedimento de legalização realizado pela Unesc, a Penitenciária conseguiu a documentação de autorização necessária. O trabalho foi realizado com ajuda de alunos da Fitoterapia da Universidade e da professora Vanilde Citadini-Zanette.

Horta e preparação dos chás na Penitenciária

Na parte externa da Penitenciária tem uma horta, que funciona desde 2018 quando o local foi inaugurado. O espaço grande e bem cuidado, é onde são cultivadas diversas verduras e temperos, como cebola, alface e pimenta. Tudo é usado na própria alimentação do sistema carcerário. 

A plantação inicia na frente do terreno e segue até os fundos da estrutura, entre o muro que protege a prisão, um paredão de aproximadamente três metros de altura, e o cercado de arame farpado da Penitenciária. A manutenção das plantas é realizada pelas próprias detentas que estão no regime semiaberto e supervisionada por Vera. As mudas que serão plantadas, desde as verduras até os chás, também são produzidas dentro da própria Penitenciária e ganham um apelido carinhoso. “Chamo essa parte de produção das mudas de Berçário, pois é de onde nasce nossa horta”, conta Vera.

Mudas dos chás – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Em uma pequena parte dessa horta a agente plantava alguns chás para consumo interno dos trabalhadores. Agora, esse espaço cresceu e soma mais de 60 tipos de chás. Quando as plantas atingem o tamanho ideal, as detentas realizam a colheita e levam para a sala onde é realizado o procedimento de preparação dos chás.

Horta de chás da Penitenciária Feminina – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

 

“Criamos um horto com quatro presas, começamos do zero, fizemos tudo. Desde o estudo e preparo do solo. Começamos e tivemos o apoio de várias entidades, entre elas da Unesc e da comunidade. Conseguimos começar o horto com 60 espécies, isso lá na pandemia, em 2019″, frisou.

Na cozinha, duas presas recebem as plantas e ficam responsáveis pela separação e preparação das folhas. Realizam a desidratação e preparam os chás para as detentas, conforme orientação médica para cada uma delas. As quantidades são colocadas em garrafas com o auxílio de um dosador. Cada recipiente é etiquetado com o tipo de chá e a identificação da cela onde fica a usuária.

Trabalhamos com plantas medicinais, que é um insumo para a preparação dos fitoterápicos. Trabalhamos com matéria in natura, não passa por nenhuma transformação. Preparamos a planta, transformamos nos procedimentos adequados sanitários e faço o fitoterápico encapsulado a partir da matéria prima planta. A gente planta, a gente colhe, segrega, temos um desidratador onde transformamos um chá sequinho, igual como compramos em lojas de produtos naturais. Tudo isso é feito pela presa”, explica Vera.

Benefícios na saúde das presas

Desde que a fitoterapia foi implantada no sistema carcerário, Vera já notou um grande avanço na saúde das detentas. Segundo dados internos, 80% das aproximadamente 300 presas do Presídio Feminino de Criciúma, fazem uso de remédios controlados, como por exemplo o Diazepam, usado no tratamento de ansiedade.

Com acompanhamento médico, os remédios são parcialmente substituídos, diminuindo gradativamente a dosagem e colocando no lugar as ervas naturais. “As médicas que atendem aqui tentam introduzir o chá para evitar o remédio controlado. Elas passam a quantidade e o chá específico, ele vem com memorando para nós. A gente faz e leva prontinho para a cela, conforme solicitado. Temos 26 presas que fazem tratamento com a Valeriana e não foram para a medicação controlada. Tivemos gente que tirou o controlado devido aos chás. A gente faz o desmame”, se alegra Vera.

Com um memorando em mãos, encaminhado pelo sistema de saúde, prescrevendo chá de Cana Cidreira para uma das detentas como forma de tratamento, Vera se emociona. “Isso para mim é um ganho”, diz. Os chás também foram acrescentados ao lanche da tarde das detentas, que aprovaram a ideia. 

Receita da médica à Fitoterapia – Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Mesmo que muito positivo para a saúde do sistema carcerário, tudo o que sai da sala de Fitoterapia é controlado, para que não ocorra desperdícios ou exageros. O chá que cada detenta faz uso é anotado em um caderno de acompanhamento.

O projeto também tem proporcionado, além da saúde mental, a ressocialização das detentas que, quando terminarem de cumprir a pena, poderão exercer uma nova atividade para o seu sustento.

Matéria produzida com Caroline Sartori *

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