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A comovente saga do lutador que teria inspirado Shrek

Amanhã, dia 20 de março, celebra-se o Dia do Contador de História, e nada mais encantador eu contar uma história comovente que poucas pessoas sabem, a do lutador de luta livre que inspirou o desenho animado Shrek.

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No filme da DreamWorks Pictures, lançado em 2001, Shrek é um temido e aterrorizante ogro verde que é apaixonado pela solidão de seu pântano, mas que, em um determinado momento, tem seu sossego interrompido após o maligno Lorde Farquaad exilar criaturas dos contos de fadas para o seu local de paz. 

Ao longo da trama, o medonho protagonista se mostra um ser de coração enorme e acaba cativando o coração do público e da princesa Fiona. Entretanto, o que poucos sabem, é que as características físicas e biográficas do personagem podem ter sido inspiradas em uma personalidade da vida real: o lutador Maurice Tillet.

Maurice Tillet, nasceu nos Montes Urais na Rússia em 23 de outubro 1903, filho de engenheiro das ferrovias reais do Czar Russo e de uma professora, ele foi criado em meio a nobreza. Seu pai morreu em 1917, e com a Revolução Russa, sua mãe fugiu levando o jovem menino de rosto angelical consigo, e se estabelecendo em Reims, uma cidade no nordeste da França.

Maurice era um homem muito inteligente, falava 14 idiomas, gostava de música clássica, além de ser um exímio poeta e ator. Em 1920, quando chegou à juventude, aos 17 anos, desenvolveu a doença que o acompanharia para o resto da vida. Maurice começou a desenvolver uma doença rara, chamada acromegalia, que geralmente é causada por um tumor benigno, uma espécie de gigantismo, pois os sintomas incluem o alargamento do rosto, das mãos e dos pés. Pacientes com essa enfermidade costumam ter diversas complicações de saúde e muitos morrem precocemente. Em pouco tempo, todo o seu corpo se desfigurou de uma maneira muito peculiar, em decorrência a esta grave doença, o esportista francês “ganhou”, após sua adolescência, mãos, pés, nariz e orelhas enormes, além de ostentar o título de “O homem mais feio do mundo”.

Maurice aos 13 anos

Na verdade, esta “transformação” afetou profundamente os aspectos psicológicos da personalidade de Maurice, mas apesar de ser descrito como “uma feroz monstruosidade, não um ser humano, mas uma pedra de brutalidade”, quem o conhecia, porém, afirmava que o sujeito era completamente diferente de quaisquer estereótipos, sendo dono de um enorme coração, com uma inteligência acima da média e um ser extremamente generoso, um verdadeiro gentleman. Além do mais, ele adorava crianças e elas retribuíam o carinho da maneira mais amistosa possível. Devido a esses fatores, ele passou a ser conhecido como “O anjo Francês”.

Maurice estudava direito em Toulouse na época, mas abandonou o curso por saber que nenhum tribunal daria credibilidade para uma figura grotesca e com uma voz falhada, quase um sussurro (consequências da doença também). Alistou-se então na Armada Francesa, onde trabalhou como marinheiro durante alguns anos. Em 1935 estreou como ator, fazendo uma pequena participação em Princesa Tam-Tam, produção francesa protagonizada pela dançarina Josephine Baker. Maurice aparecia pouco, sentado em uma mesa de bar, numa ponta não creditada. Aliás, sua participação no cinema nunca foi creditada, mas alguns historiadores conseguiram encontrá-lo ainda nos filmes Quermesse Heróica (La kermesse héroïque, 1935) e Les Bateliers de La Volga (1936). Sempre papéis pequenos, de figuras grotescas que não necessitavam de maquiagem. Nesta mesma época deixou a marinha, devido ao medo da guerra que se evidenciava na Europa.

Cena de Princesa Tam-Tam (Maurice é o homem de boina sentado no bar, que aparece em 3:17)  

A sua forma gerava tanto preconceito que Maurice começou a ser expulso dos lugares que frequentava e onde antes era bem recebido. Não podendo lutar contra a doença, Maurice começou a adaptar-se a ela, adquirindo um rol de comportamentos mais adequados à sua grotesca aparência. Tillet tirou proveito das suas aptidões como ator. Um dia Maurice Tillet andava pelas ruas de Paris quando foi abordado por um homem, que queria lhe fazer uma proposta. Ele foi logo recusando, achando que era mais uma pessoa querendo lhe contratar como aberração circense. Inclusive já contei algumas histórias por aqui ditas como “aberrações humanas”, como da Ella Harper, a menina camelo. 

Mas o convite era para ser lutador de luta livre, Tillet aceitou. Já desfigurado, se mudou para os Estados Unidos em 1937, onde começou a ganhar dinheiro com sua aparência e também se tornou lutador de Wrestling, tendo adaptado o nome (e comportamento teatral) do “Assustador ogro do ringue”, cuja personagem (chamada “o anjo francês do ringue”, uma piada com seu antigo apelido e sua aparência) adquiriu fama imediata nas plateias. Três anos depois, em 1940, foi consagrado campeão dos pesos-pesados pela American Wrestling Association, e a fama alcançada por ele levou ao surgimento de diversos imitadores. Seu mestre e melhor amigo, que o ajudou a tornar-se wrestler profissional foi o lituano Karl Pojello.

Maurice Tillet lutando em Barcelona em 1948

 

Maurice Tillet e Johnny Weismuller

Apesar de sua história ser pouco lembrada nos dias atuais, até mesmo pelos apaixonados pelas artes marciais, sua trajetória foi extensivamente documentada pelos jornais da época, afinal, ele era tido como uma grande celebridade nos Estados Unidos e na Europa. E apesar de ser russo (algo não muito bem visto nos EUA naqueles tempos), era creditado como francês por ter vivido no país boa parte de sua vida. Sempre anunciado como uma besta de festa.

Apesar de seu corpo grande e da força demonstrada nos ringues, o lutador tinha uma saúde frágil devido a sua doença, e com o avanço da acromegalia, Tillet acabou por tornar-se recluso, embora ainda tivesse alguns amigos. Um deles foi o empresário Patrick Kelly, que visitava Tillet para jogarem partidas de xadrez. Maurice morreu em 04 de setembro de 1954, aos 51 anos, vítima de uma doença cardíaca. A acromegalia não só afeta a estrutura corporal, mas também os órgãos internos, que nunca param de crescer. E o coração do lutador acabou crescendo demais, ficando comprimido em sua caixa torácica. Segundo relatos, sua morte ocorreu após ele ter descoberto que seu antigo treinador e melhor amigo Karl Pojello havia falecido de câncer no pulmão. Tillet, Pojello moravam juntos em Chicago. Os dois homens eram amigos íntimos e estão enterrados um ao lado do outro.

Um de seus poucos amigos, Bobby Managain, um antigo campeão da luta livre, estava a seu lado no dia em que ele se foi. Antes que Tillet morresse, Bobby pediu-lhe se poderia fazer um lifecast (uma máscara mortuária, uma prática comum até o século XIX e que com o tempo saiu de moda, mantendo-se hoje apenas no campo dos efeitos especiais), Tillet concordou e assim, após a sua morte, Bobby fez três cópias da cabeça de Tillet em gesso. 

Uma delas foi parar ao Museu Barbell de York. Outra das máscaras ficou no escritório de Patrick Kelly e a última foi oferecida por ele para o Museu Internacional da Luta Livre, em Iowa nos Estados Unidos. Posteriormente, uma das máscaras foi duplicada e foi parar ao Museu Internacional da ciência cirúrgica em Chicago. Uma outra réplica da máscara mortuária de Maurice Tillet foi parar no Hall of Fame do York Barbell Building. A réplica de Tillet serviu para mostrar os primórdios das formas da luta livre moderna e do halterofilismo. Uma outra história curiosa, que já contei por aqui semelhante ao do Maurice Tillet, foi a do Adam Rainer, o anão que virou gigante, que após seus 21 anos foi diagnosticado com a mesma doença de Maurice.

Segundo algumas histórias não oficias sobre a criação do personagem da DreamWorks, os produtores do estúdio construíram o simpático monstro de animação após se depararem com um busto de Tillet que estava exposto em um museu. Foi esta réplica que serviu de modelo para a construção de Shrek. O corpo de Shrek, bem como sua cabeça, foram criados tomando como referência as formas de Tillet, entretanto, a DreamWorks afirma que a origem do personagem vem do livro infantil “Shrek”, que conta a história de um ogro verde, cujos direitos foram comprados em 1990.

Segundo DreamWorks, o estúdio havia comprado os direitos do livro muitos anos antes de produzir o filme que conhecemos. Um ponto curioso é que o personagem da DreamWorks, inicialmente, não era nada parecido com ogro verde que conhecemos hoje em dia. A intenção original era fazer um filme live-action (com atores de verdade), protagonizado pelo comediante Chris Farley. Mas devido a dificuldades de maquiagem e caracterização, decidiram fazer o filme animado, com o comediante emprestando a voz para o ogro verde. Porém, Chris faleceu prematuramente em 18 de dezembro de 1997 (vítima de overdose), deixando cerca de 80% das dublagens prontas.

 

Capa do livro

Chris Farley e a dublagem original de Shrek 

Foi só com a mudança para o ator Mike Meyers que o personagem ganhou a aparência que ficou marcada. Apesar de não ter nenhuma prova, pesquisadores dizem ter apenas indícios que, durante a produção do filme, o estúdio contava com diversas fotos de lutadores em sua mesa de criação e, assim, escolherem fazer o personagem semelhante ao lutador.

Não é a primeira animação que possivelmente foi baseado em uma personalidade real, já contei por aqui a história da Bela e a Fera na França Medieval, adaptada e difundida para o clássico infantil da Disney.

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