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Entre abraços, lambidas e patinhas, a melhora da qualidade de vida de crianças autistas

Por meio da Cinoterapia, cães de faro da PM auxiliam crianças autistas a desenvolveram habilidades de comunicação e interação social

Serotonina e endorfina são duas das substâncias que mais vêm sendo farejadas pelos cães Marley e Kira, do 9º Batalhão de Polícia Militar (9ºBPM) de Criciúma. Os cães de faro que são treinados para farejar drogas, agora percebem e sentem as substâncias que são liberadas quando alguém está feliz ou executa uma atividade prazerosa. E quem tem enchido o batalhão com o “cheiro da felicidade”, são as crianças com transtorno do espectro autista (TEA) e estudantes dos Centros de Educação Infantil (CEIs) da Associação Feminina de Assistência Social de Criciúma (Afasc). Os pequenos estão participando do projeto de Cinoterapia, ou Terapia Facilitada por Cães (TFC), no 9º BPM.

A atividade, que já era realizada antes da pandemia de Covid-19 com as crianças da Associação de Amigos do Autista (AMA), foi retomada há alguns meses no 9ºBPM. Agora, são contempladas no projeto as 158 crianças diagnosticadas com autismo e que estudam na Afasc. As sessões são realizadas duas vezes por semana, nas terças e quintas-feiras. Cada dia, participam cerca de cinco crianças diferentes, para que todas sejam atendidas até o fim do ano.

Mesmo participando de apenas uma sessão, os resultados já têm sido notórios na vida dos pequenos, dentro e fora de sala de aula.  Segundo a psicóloga da Afasc Paulina Serafim, uma das crianças falou pela primeira vez durante a sessão. O pequeno chamou pelo nome o cão que participa da atividade. “Tivemos uma situação que a criança não fala nenhuma palavrinha, atende a poucos comandos e, mesmo assim, falou o nome do Marley. Provavelmente ele já tem algumas palavras dentro do repertório, mas não tem a intenção de verbalizar.  Mas o nome do cão, está repetindo algumas vezes. São nesses pequenos fatores que vemos as melhoras”, conta.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Alegria no toque

Pedro Fortunato Felicidade, de quatro anos de idade, foi diagnosticado com autismo quando tinha dois anos. A família começou a notar comportamentos diferentes no menino e procurou ajuda médica. Morador do bairro São Francisco e estudante do CEI da Afasc Irmã Hemilia, no bairro Rio Maina, Pedro participou de uma das sessões de cinoterapia. Desde esse dia, o pequeno só fala no Marley. Durante o encontro com o cão, Pedro demonstra muito afeto. Quando viu Marley se aproximar dele no Batalhão, foi logo correndo ao encontro do animal.

“Em casa ele ficou contando muita história dos cachorros, brincou muito com eles, ficou dando detalhes do cão. Tentou que os cachorros dele de casa pegassem a bolinha como o Marley. Ficou encantado com o cachorro. Ele chegou em casa e falou para o pai dele que tinha muitos policiais e a ‘dinete’ que é a caminhonete usada como viatura policial. Amou estar com os policiais, ele ama a polícia. “, conta a avó de Pedro, Claudiana da Silva Felicidade.

Pedro ao lado da avó e do cão Marley – Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul


Com as outras crianças não é diferente. A pequena
Laura, de 4 anos, se sentiu tão confortável ao lado do Marley que quis deitar nele. O Gabriel, da mesma idade da Laura, estava super animado e feliz ao lado do cachorro. Mas, segundo a psicóloga Paulina Serafim, durante o trajeto do CEI até o Batalhão, o comportamento do pequeno era completamente diferente.

“O Gabriel chegou não querendo. Agora passeou com o cão, está feliz aqui. Ele é o nosso resultado clássico, exemplo do que acontece aqui. Tem criança que às vezes o professor relata que está há uma semana sem sorrir, chega aqui ele fica 20 minutos sorrindo. Tem criança que chega com bastante resistência. Outro dia tivemos um menino que veio no ónibus bem angustiado. No final ele estava abraçando o Marley e jogando a bolinha. Ele é não verbal, mas apresenta comportamentos, na própria expressão facial e corporal mostra que ele gostou da atividade”, ressalta.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Durante a cinoterapia, cada criança é acompanhada pelo ajudante de sala e por três profissionais que atuam na educação, sendo a psicóloga Paulina Serafin, o fisioterapeuta do departamento de Educação Infantil da Afasc, Diego Damiani e a orientadora de Educação Inclusiva, Kalila Daminelli.

“Sempre pedimos para a diretora do CEI disponibilizar a profissional que tem mais vínculo com a criança. Como ele vai estar em um ambiente e local diferente, ele precisa ter essa segurança. A criança autista sempre tem um objeto de apego, a gente traz junto também. Traz conforto para eles”, detalha a psicóloga.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

A cinoterapia

O projeto de cinoterapia com as crianças autista da Afasc vem ganhando forma dia após dia. Como é um projeto novo na região, os profissionais vêm trabalhando juntos para proporcionar a melhor experiência para as crianças. Os pequenos, também, mostram em cada encontro as atividades que mais gostam.

A Afasc conta com 158 crianças diagnosticadas com autismo, de todas as idades e níveis do transtorno. O projeto iniciou atendendo o grupo 4, que são os alunos de 3 a 4 anos. Cada sessão dura em torno de 40 minutos e ocorre no turno escolar da criança. O tempo foi estrategicamente calculado pelos profissionais.

Esse é o tempo ideal, de 30 a 40 minutos. Pois, depois disso, a criança pode ficar irritada, com fome, o que poderia atrapalhar a terapia. Tem que levar em consideração também o deslocamento. Para o cão também é uma atividade que, se passar deste período, ele fica exausto”, explica o fisioterapeuta do departamento de Educação Infantil da Afasc, Diego Damiani.

Os 40 minutos  de terapia são divididos em diversos momentos. “Primeiro é a apresentação do cachorro para a criança. Como o ambiente é novo para elas, a gente diz o nome do cachorro, ela passa a mão no animal e isso é feito com todas as crianças”, explica o fisioterapeuta.

A segunda atividade é a que a criança joga a bolinha para o cão buscar. Esta ação é importante para ter a integração entre a criança e o animal pois, segundo Diego, ela vê o cachorro indo atrás, voltando e o comando do cachorro. A terceira, e considerada a mais importante pelos profissionais, é o passeio da criança segurando a guia do cão.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Neste momento, a criança segura a guia do cão – que é adaptada para esta atividade – e passeia com o animal pelo pátio do Batalhão. Quem está guiando o cachorro, na verdade, é o policial que participa da sessão, mas as crianças acreditam que elas são quem estão no comando. “Com isso, ela adquire independência, pois está achando que é ela que está conduzindo. Esta atividade passa de amizade para um vinculo maior ainda com o cachorro. É a parte que eles mais gostam”, explica o fisioterapeuta.

Depois, todos retornam para dentro do batalhão para se despedir do cão. Momento em que eles dão o abraço final no animal, entendendo que encerrou a atividade. Em seguida, as crianças retornam para o ônibus, mas, para fechar com chave de ouro, ainda é realizado uma última atividade. O cão e o policial responsável aguardam as crianças na porta do veículo. Antes de subir as escadas para entrar no ônibus e retornar ao CEI, tem aquele “auperto” de mão.

Benefícios

De acordo com os profissionais que estão à frente do projeto, os encontros entre cão e criança com autismo têm muitos benefícios. Resultados que são sentidos não somente dentro da sala de aula, mas em casa. O simples ato de sair de dentro da sala de aula e andar de micro-ônibus para ir até o Batalhão, já é uma ação importante. As crianças desenvolvem um vínculo tão profundo com o cão que muitas vezes querem levá-lo para casa. No caminho de volta para o CEI, só se fala em uma coisa: Marley.

“Disso saiu muitos benefícios, seja cognitivo, sensorial, motores, de interação, só o fato de tirar eles do CEI, é uma festa. A maioria nunca andou de micro-ônibus, já é diferente. Tudo isso faz parte do tratamento. Geralmente os resultados são sentidos dentro do CEI e a professora nos relata. O ideal era trazer toda semana a mesma criança, mas nossa demanda é muito grande”, frisa Damiani.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

 

A atividade é totalmente gratuita para as crianças diagnosticadas com TEA e estudantes dos CEIs da Afasc. De acordo com a coordenadora do Departamento Infantil da Afasc, Andreza Dagostin, a intenção é que as crianças que já participaram façam uma segunda sessão até o fim deste ano.

“Tem pai que diz que a criança fica mais calma. Que antes tinha medo de cachorro, agora não tem mais. Muitas vezes a criança fica dentro do CEI por até 12 horas. Sair para fazer uma atividade diferenciada e gratuita é mais uma terapia que os pais recebem, além da nossa equipe multiprofissional que trabalha com eles. As diretoras relatam que as crianças questionam sobre o retorno, querem voltar. Mas como temos bastante crianças, esperamos que esse retorno se dê até novembro”, frisa a coordenadora.

Andreza Dagostin – Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

 

Para o comandante do 9º BPM de Criciúma, tenente-coronel Mário Luiz Silva, é fundamental ressaltar que a cinoterapia é cientificamente comprovada como uma terapia altamente eficaz, especialmente para pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nesse contexto terapêutico, o cão desempenha um papel essencial, devido às suas características de interação e socialização.

“A cinoterapia, ela é cientificamente comprovada. É uma terapia que traz excelentes resultados para as pessoas portadoras do Transtorno Espectro Autista. E nesse contexto da cinoterapia, o cão é uma ferramenta para essa terapia. Em virtude das características do cachorro, de interação, de socialização, isso estimula os autistas a melhorarem, a lapidarem essa característica deles, que é justamente a não socialização, a introspecção”, frisa.

O cão policial

O cão policial é um instrumento muito importante, e essencial, no trabalho da Polícia Militar (PM). Os animais são treinados conforme a habilidade de cada um e desenvolvem uma das três funções aplicadas dentro da polícia, que são: o faro, onde o animal encontra drogas e armas; a guarda e proteção, que é usada em eventos e jogos; e a busca e captura, onde o cachorro busca por pessoas desaparecidas ou criminosos escondidos.

Cabo França, Marley e capitão Giovane – Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

No 9º Batalhão de Polícia Militar (9ºBPM) de Criciúma, o Canil conta com oito cães que trabalham diretamente com os policiais e cada um atua em uma função diferente. O Marley e a Kira são dois dos cachorros que fazem parte da tropa policial do município e a especialidade deles é o faro. Em ocorrências, principalmente que envolvam o encontro de drogas, um dos dois está presente para farejar, encontrar a substância e depois ganhar a recompensa, que é a bolinha. Embora estejam trabalhando, tudo para eles não passa de uma brincadeira. Mas, como são cães dóceis – só de olhar para eles já dá vontade de abraçar e fazer carinho – nos últimos meses eles têm desempenhado mais esta atividade de Cinoterapia na rotina.

“O cachorro é um instrumento que as psicólogas hoje da Afasc utilizam para fazer esse tratamento com as crianças, para atuar na melhora da condição delas no autismo. Eles acabam sendo muito mais instrumentos que qualquer outra atividade. Como os dois cães que estão separados para essa ação são dóceis, as crianças ficam livres para poder desenvolver as tarefas, seja fazer carinho, tentar falar com ele. Cada criança vai desenvolvendo sua habilidade conforme a orientação do profissional”, explica o capitão da Companhia de Patrulhamento Tático (CPT), Giovanni Fagundes dos Santos.

Capitão da CPT, Giovanni Fagundes dos Santos – Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

 

Na cinoterapia, o cão desempenha um papel precioso na promoção do bem-estar e na eficácia dos tratamentos terapêuticos. Sua natureza afetuosa e capacidade de estabelecer conexões emocionais com os pacientes cria um ambiente acolhedor, que é essencial para o sucesso das intervenções.

“O cão é uma excelente ferramenta. Tanto é que não é qualquer cão. São poucos os cães que conseguem realizar esse tipo de trabalho. Precisamos de um cão que tenha algumas peculiaridades, algumas características bastante específicas para que consigamos fazer esse tipo de trabalho. O Marley, sua função principal dentro da Polícia Militar é ser um cão de faro de drogas. E agora, ele “acumula” essa função que é fazer a cinoterapia”, enfatiza o comandante do 9ºBPM de Criciúma, tenente-coronel Mário Luiz Silva.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Parceria entre PM e Afasc

O projeto ocorre graças a uma parceria entre o 9º Batalhão de Polícia Militar de Criciúma, por meio do Canil, com a Prefeitura Municipal e a Associação Feminina de Assistência Social de Criciúma (Afasc). O lançamento da ação ocorreu no dia 3 de agosto. A Polícia Militar disponibiliza o cão, o espaço e o policial condutor do animal, enquanto a Afasc leva as crianças para serem beneficiadas. Parceria que tem gerado resultado nos dois meses de atuação.

“Nós não somos uma instituição eminentemente repressiva. Nós somos uma instituição que garante segurança pública, é claro. Mas antes de mais nada, somos uma instituição. A Polícia Militar é uma instituição promotora de direitos humanos, promotora de direitos fundamentais. E nesse sentido, conseguimos deixar muito evidente esse nosso viés humanitário, isso nos aumenta ainda mais a legitimidade, a credibilidade de que a sociedade catarinense nutre pela sua Polícia Militar”, enaltece o comandante.

Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

 

Os policiais que participam ativamente do projeto envolvendo a cinoterapia garantem que nutrem um carinho e afeto pelas crianças beneficiadas por essa iniciativa. A medida em que testemunham de perto os resultados através da interação entre os cães e as crianças, esses profissionais encontram uma satisfação imensa em seu trabalho.

“A melhora visível nas vidas das crianças, o aumento da confiança, a redução do estresse e a alegria que a cinoterapia traz, não apenas para os pacientes, mas também para os cuidadores, incluindo os policiais envolvidos, reforçam o comprometimento com esses programas e a compreensão do impacto positivo que eles têm nas comunidades atendidas. É uma alegria acompanhar isso, seja como policiais, como cidadão, pai, é uma alegria imensa para a gente”, finaliza o capitão Giovanne.

*Colaboração: Caroline Sartori – Portal Litoral Sul

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