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O Artista da Fome: Reveraldo completa um mês em jejum

Objetivo do projeto são 40 dias de abstinência de comida

Há um mês, Reveraldo Joaquim, do Grupo Cirquinho do Revirado, fazia sua última refeição antes de iniciar o maior desafio de sua trajetória: experienciar o projeto “O Artista da Fome”. Um ato que ganhou ainda mais significado em meio à pandemia, o propósito é seguir documentando os efeitos da falta de comida até 26 de março, quando todos os efeitos deste período serão trazidos ao público, junto de uma live com 24 horas de duração e diversas manifestações culturais.

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Mais da metade do projeto já foi concluído com êxito, uma empreitada iniciada em dupla com a atriz Yonara Marques, que cedeu à fome após 15 dias. Até aqui, a rotina do jejuador segue inalterada. Os momentos pontuais de refeição são uma provocação para reafirmar o verdadeiro alimento do artista.

“É uma rotina necessária, para que o jejuador possa se ver lúcido. A mesa é posta normalmente. A comida está ali. Isso causa mais impacto e mais desconforto a aquele que vê. A força vem da mente, da meditação e da concentração, para que não confunda o estado físico e o mental. Claro que fico em uma condição de maior sensibilidade, de debilitação física. Porém, mentalmente, é possível ficar mais centrado na proposta”, contou o artista.

Já habituado à sensação de fome, Reveraldo teve nas primeiras semanas os dias mais confusos. Aos poucos foi possível aprender como dar mais força ao corpo por meio da mente. Apesar dos contatos via redes sociais incentivarem a mudança de rotina e novas ocupações, o entendimento do processo pelo artista é justamente ao contrário, em busca do significado para o grande desfecho após 40 dias.

Muito mais do que a fome em meio à pandemia

As relações do projeto com os impactos do coronavírus vão além da fome. Estampar a realidade nos espaços e nas condições de maior vulnerabilidade acaba por se tornar natural, frente ao tamanho do que o mundo vive. Um exemplo que ganhou destaque nas postagens do Cirquinho do Revirado nas redes sociais, a invisibilidade de quem busca no Brasil um local de refúgio foi retratada, ganhando elementos intrínsecos.

O texto “Migração e vírus” foi uma crítica ao tratamento dado aos imigrantes em diversos contextos, como dificuldades de conseguir um emprego, salários, preconceitos e muito mais. “Imigrantes muitas vezes são tratados como vírus. Apenas algumas instituições, comunidades e indivíduos se salvam desse julgamento. Nos processos de migração grupos hegemônicos locais na grande maioria das vezes acabam por apagar a historicidade de quem migra, tornam invisível sua cultura e de alguma forma destroem sua identidade. Isso cria zonas diaspóricas que dialogam com o conceito de higienização urbana criando círculos viciosos de impossibilidade de desenvolvimento para quem passa por esses lugares”, escreveu Luan Marques Joaquim, que vem retratando as manifestações no perfil @cirquinhodorevirado.

O artista da fome

Ao idealizar o projeto, logo o grupo percebeu que seria o maior desafio do Cirquinho em uma iniciativa artística, e ao mesmo tempo contemplaria toda a forma de construção poética, lúdica e cultural que o grupo trabalha. “Não imaginávamos que o desafio seria tão grande, e que a repercussão sobre o jejuador fosse atingir patamares tão para além e de maneira tão forte. As intervenções que as pessoas estão tendo e percebendo em relação ao artista tem ultrapassado o limite do lúdico e o do racional”, explicou Reveraldo.

Estas conexões fazem com que as pessoas se deparem com uma relação artística real, e o artístico e o lúdico se fundem em uma coisa só. Assim, o experimento já cumpriu sua função, causando impacto, chamando à atenção para problemas sociais reais e fazendo com que quem vê se questione e questione os artistas “Se as pessoas têm dúvidas sobre o jejum, já é uma forma de interferência, um dos principais ingredientes deste experimento. É um projeto com caminho a ser percorrido, com início, meio e fim, diferente dos espetáculos que o grupo sempre trabalhou”, completou o artista.

Até aqui a única coisa ingerida pelo artista foi água. Para a segurança, há orientação médica durante a continuidade do projeto, com acompanhamento dos batimentos cardíacos e pressão. No último dia, 26 de março, os atores promoverão uma live com duração de 24 horas, acompanhados pelo ator e editor técnico Fábio Murillo. Reveraldo se apresentará para o público em seu estado após 39 dias em jejum, acompanhado de Yonara, mostrando a realidade deste experimento.

Até lá, o estado dele está sendo compartilhado por meio do “Diário da Fome”, uma série de cartas públicas, produzidas diariamente pelo escritor Luan Marques Joaquim e disponíveis no Instagram e no Facebook. Eventualmente, o grupo divulga pequenos vídeos ou entradas ao vivo, com pouca interação social, para partilhar com a audiência os desafios e percepções sobre esse processo jejuativo.

A intervenção audiovisual “O Artista da Fome” é um projeto de experimentação artística, contemplado e viabilizado pela Lei Emergencial Cultural Aldir Blanc (Lei nº 14.017/2020), por meio da Fundação Cultural de Criciúma.

“O Artista da Fome”

Sob direção de Reveraldo, o experimento faz relação com o livro quase homônimo “Um Artista da Fome”, do renomado escritor tcheco Franz Kafka, falecido em 1924. A fome de comida é também uma referência à escassez de arte e da “alimentação artística”, especialmente durante o período de pandemia da Covid-19.

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