Notícias de Criciúma e Região

Mulheres deixam o trabalho com carteira assinada e se encontram no empreendedorismo

Gisele Cologni abriu mão da carteira de trabalho para cuidar da família e iniciou no empreendedorismo

Acordar cedo, arrumar as crianças, se arrumar, tomar café, deixar os filhos na escola e ir ao trabalho. Essas são algumas das atividades na rotina de muitas mulheres que precisam conciliar o emprego fora de casa com os deveres de mãe. Sem contar o compromisso com os afazeres domésticos que, geralmente, são realizados nos momentos de folga, quase todos os dias da semana.

Rotina exaustiva e que, muitas vezes, precisa ser completamente alterada por algum imprevisto, como um filho doente, por exemplo. Em uma circunstância como essa, as mães precisam se ausentar do trabalho ou, quando têm, pedir ajuda para a rede de apoio.

Cansada dessa rotina e preocupada com o crescimento da filha, Gisele Cologni, decidiu pedir demissão do emprego em que trabalhava com carteira assinada, para cuidar da família.

“Com uma criança pequena em casa, não é fácil trabalhar fora. Muitas vezes minha filha ficava doente e eu precisava faltar o trabalho para cuidar dela. Ou a deixava com alguém, mas sempre ficava preocupada. Então decidi sair do emprego e cuidar dela”, conta. 

Com o passar dos meses, as contas da casa começaram a ficar apertadas e Gi, como carinhosamente é conhecida, sentiu a necessidade de fazer algo para gerar uma renda extra e complementar a do esposo, que sustentava financeiramente a casa. Como ela sempre teve “mão boa” para cozinhar, decidiu investir em doces. Assim, começou o próprio negócio.

Para incrementar o cardápio, Gisele lembrou de uma receita de cocada assada que aprendeu com a sogra, daquelas tradicionais receitas de família Como o alimento era algo diferente na região dela, as primeiras formadas foram de medos e incertezas. Mas, com o passar do tempo, a “cocadinha da Gi” começou a fazer sucesso e os doces tradicionais foram sendo deixados de lado.

“Foi então que eu decidi investir nas cocadas e nasceu a empresa “Cocadinhas da Gi”. Assim fiquei focada somente com um produto e consegui aprimorar ainda mais a receita original da minha sogra”, conta.

Da receita tradicional, Gi conseguiu inovar e ter ideias de novos sabores, que destacaram ainda mais o produto. Acrescentou ao coco o maracujá, o abacaxi e o chocolate meio-amargo. As vendas são feitas por meio de encomenda nas redes sociais e, também, de porta em porta.

Criciúma de mulheres corajosas

Da adversidade, Gisele se descobriu uma empreendedora que nunca imaginara antes. E ela não é a única. Assim como Gi, outras 13,4 mil mulheres se encontraram com o próprio negócio em Criciúma, de acordo com o Observatório de Negócios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) Santa Catarina.

Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que entre 2019 e 2020, período da pandemia de Covid-19, foram 825,3 mil empregos perdidos. Cerca de 593,6 mil eram cargos ocupados pelo sexo feminino. Com isso, as mulheres buscaram abrir o seu próprio negócio para ter uma renda, onde houve um crescimento significativo no empreendedorismo feminino.

Em 2019, antes da pandemia de Covid-19, 7.157 mulheres empreendiam e, em 2023 esse número saltou oara 12.560 empresárias em Criciúma, um crescimento de 75,37%, segundo o Observatório do Sebrae.

“Na pandemia muitas mulheres foram demitidas e, como precisavam levar o sustento para dentro de casa, começaram a trabalhar com aquilo que sabiam fazer. Vendiam roupas ou faziam cabelos e unhas em casa e assim nasceram novos negócios. Outras mulheres começaram a empreender pois era um sonho de vida delas”, ressalta a analista de Dados do Observatório de Negócios do Sebrae, Amanda Maciel.

Este foi o caso de Graziela Rocha Miguel, proprietária da Suculentas Beija-Flor, em Criciúma. A mãe dela tem uma empresa de roupas desde que a Grazi, como é conhecida, nasceu. Com isso, ela cresceu dentro da loja da mãe e sempre trabalhou no local. Mesmo com uma vida financeira estável, a família, assim como o mundo, foi surpreendida pela pandemia. 

Com as portas da empresa fechadas, Grazi começou a ficar bastante tempo em casa com o marido e o filho. Com isso, percebeu que a rotina corrida estava fazendo com que o pequeno crescesse distante dela. Como ele ficava o dia inteiro na escola e ela trabalhando fora, o contato entre mãe e filho era somente no período noturno. Tempo que muitas vezes era sabotado devido ao cansaço físico do trabalho. Foi quando o “mundo parou” que ela teve essa percepção e sentiu a necessidade de empreender e trabalhar com algo que ela gostasse muito. Teve apoio do marido e começou a trabalhar com plantas suculentas.

“Como estava bastante em casa, montei um vaso com uma suculenta e postei nas redes sociais. Começaram a chegar pedidos e eu vi ali uma oportunidade de empreender no ramo. Tive o apoio do meu esposo, que sempre gostou de suculentas, e comecei a empreender”, conta Grazi.

Na frente de casa, Graziela montou um suculentário, onde tem um espaço com todas as plantas para atender os clientes. As vendas também são feitas pelas redes sociais e a empresa já recebeu pedidos até de cidades vizinhas.

Suculentário em frente a casa da Grazi – Foto: Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Grazi organiza a rotina para atender todos os compromissos com a empresa, mas separa um tempo de qualidade para ficar com o filho. “Agora eu consigo acordar cedo, preparar um café para minha família e tiro um tempo para caminhar com o meu filho. Coisas pequenas, mas de muito valor e que antes eu não conseguia fazer”, frisa.

Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Com os negócios de vento em popa, Grazi abriu mão da empresa da família, deixando aos cuidados da irmã, e decidiu focar somente na Beija-Flor. Um dos incentivos de Grazi veio da vizinha e amiga, Deise Stader, que também é empreendedora.

Mudança após a maternidade

Após trabalhar 14 anos com carteira de trabalho assinada, Deise engravidou e, ao retornar da licença maternidade, percebeu que não tinha como trabalhar fora com uma criança pequena, que hoje tem sete anos. “Fiz um acordo, saí e fiquei sete meses em casa com o meu filho. Abri uma empresa de jeans com meu esposo e comecei o empreendedorismo depois da maternidade. Sempre dizia par todos que eu queria ter filho, mas queria também participar da educação dele e consegui fazer. Amamentei ele até três anos, tive um percurso de maternidade bem grande, e não tinha mais a vontade de trabalhar fora”, conta.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, as vendas no comércio de confecção de jeans caíram e Deise decidiu investir em outro ramo. Como ela estava seguido um estilo de vida mais saudável e sempre teve contato com produtos naturais, pois a mãe trabalhava na Pastoral da Saúde, investiu em algo que a aproximasse do seu propósito.

“Como eu comecei um estilo de vida um pouco diferente, diminuindo a quantidade de carne nas minhas refeições e praticando mais atividade física, tentei me achar em algo que eu empreendesse e que trouxesse o meu propósito. Foi onde eu abri, há dois anos, a Verde e Amor, que é aquela coisa que brilha os olhos. Ainda tenho a outra empresa, mas minha caminhada de empreendedorismo está iniciando”, ressalta Deise.

Com a ajuda da mãe, ela começou a produzir sabonetes em barra. As vendas iniciaram pela internet já que, segundo a empreendedora, era uma tentativa para ver se haveria clientes no novo negócio. Inicialmente, a empresa, que passou a se chamar Verde e Amor, tinha apenas quatro tipos de sabonetes: babosa, 100% glicerina, erva e calêndula.

Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

“Iniciei as vendas para ver como ia ser e o pessoal começou a gostar e comprar bastante. Então comecei a fazer cursos online e fui me aprimorando. E assim foi gradativamente crescendo. No empreendedorismo nós ganhamos um pouco menos, mas é mais gratificante”, enfatiza.

Hoje, com dois anos de Verde e Amor, Deise trabalha com várias linhas de produtos, todos produzidos por ela em um espaço preparado especialmente para a atividade nos fundos de casa. Além dos sabonetes corporais e faciais, ela começou a produzir e vender outros produtos, como creme hidratante, linha skin care com esfoliante, escalda pés, desodorizantes e shampoos em barra. Além disso, ainda está começando as vendas de produtos de maquiagem natural.

Foto: Caroline Sartori/Portal Litoral Sul

Feira Inspirar

Juntas, Grazi e Deise começaram a participar de uma feira criada especialmente para mães empreendedoras em Criciúma, promovida na Praça do Congresso em maio de 2022. Após isso, passaram a fazer parte da administração de outro movimento de mães, mas perceberam que mulheres, que eram empreendedoras mas não tinham filho, acabavam ficando de fora do grupo. Com isso, decidiram criar a Feira Inspirar.

“Apesar da grande maioria começar a empreender pela maternidade, tínhamos muitas mulheres que não eram mães. Não queríamos nichar muito e abrimos para ser mulheres, independentemente de ser mãe ou não. Pegamos a ideia das últimas feiras e começamos com a Inspirar”, conta Deise.

No dia 17 de julho de 2022 nasceu a Feira Inspirar, que teve o primeiro encontro no dia 9 de agosto na Praça do Congresso, no Centro de Criciúma, com aproximadamente 60 mulheres empreendedoras. Com o passar dos meses, o movimento ganhou força e apoio. Atualmente, conta com cerca de 200 participantes e tem apoio da Fundação Cultura de Criciúma (FCC).

“Quando ficamos sabendo desta feira só de mulheres, procuramos elas para apoiá-las. Elas se reuniam na Praça do Congresso e passamos para os parques da cidade, onde elas teriam mais visibilidade. Auxiliamos elas no que precisam, com equipamentos e o que for necessário”, conta o diretor de Turismo da FCC, Ismail Ahmad.

Os encontros acontecem todos os meses, em dois finais de semana. No primeiro fim de semana é realizado no Parque das Nações, no bairro Próspera, e o segundo no Parque Municipal Prefeito Altair Guidi, ao lado da Prefeitura. O movimento vem crescendo a cada mês e inspirando mulheres a investir no próprio negócio. “Estamos fazendo um ano de Feira Inspirar e estamos vendo muitas outras sendo criadas. Com certeza elas se inspiraram na gente e isso é muito gratificante”, enfatiza Deise.

Matéria produzida com colaboração de Caroline Sartori*

Você também pode gostar