A história da Bela e a Fera é um clássico infantil. Adaptada e difundida por Walt Disney, o romance entre uma princesa e um animal monstruoso se tornou um símbolo do amor verdadeiro que atravessa a barreira das aparências. No entanto, essa história pode ter uma origem muito diferente e bem mais assustadora do que a conhecemos hoje. Além disso, com o passar dos séculos, o conto sofreu uma série de adaptações e modificações que o tornaram muito mais suave do que a fábula original escrita na década de 1740 pela francesa Gabrielle-Suzanne Barbot, a Dama de Villeneuve, e mais tarde adaptado por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, cuja versão – mais resumida – acabou se tornando mais famosa do que a original.
E você sabia que essa história mágica pode não ter sido meramente uma invenção da imaginação de um contador de histórias? Jeanne-Marie ou Gabrielle-Suzanne podem ter se inspirado em uma história de amor real, uma que prova que a beleza pode ficar em segundo plano.
A história é mais incrível do que se poderia imaginar. Começa na metade do século XVI na França, justamente na coroação de Henrique II. De acordo com registros de época, o jovem Rei recebeu um presente incrivelmente exótico de um dos seus nobres convidados, um “homem selvagem” aprisionado em uma jaula dourada.
Nascido em Tenerife, Espanha, em 1537, Pedro González (ou Petrus Gonsalvus) não era um garoto de aparência normal, seus pais pensaram que seu filho era portador de alguma doença demoníaca (naquele tempo, ninguém ainda conhecia a hipertricose), e quando o pequeno Petrus completou 10 anos, foi vendido a piratas, eles o batizaram como “Homem Selvagem”.
“Homens Selvagens”, ou woodwose, eram criaturas fabulosas meio-humanas e meio-animais parte da mitologia da Europa medieval. Eles eram retratados como seres cobertos de pelos que se tornavam furiosos à noite. Algumas histórias davam conta que eles eram responsáveis por roubar e devorar crianças. A presença de um alegado homem-selvagem capturado na corte de Rei Henrique causou sensação e foi fonte de enorme excitação entre os cortesões. Todos ficaram impressionados com a descoberta e pediam para vê-lo.
Temendo que tal coisa pudesse constituir um perigo para a criatura e obviamente para o público, os conselheiros do Rei enviaram a criatura para as masmorras afim de estudá-lo.
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Sua face e membros eram estranhamente cobertos de um cabelo grosso de cor castanha, mas fora isso, ele era uma criança normal.
Enquanto permaneceu no calabouço, médicos e acadêmicos examinaram Petrus e descobriram que ele não era um homem selvagem. Ele era, de fato, um menino normal de dez anos de idade, com muitos pelos sobre o corpo (uma condição conhecida hoje como hipertricose congênita). Sua condição, que também é chamada de “síndrome do lobisomem”, era rara, com apenas cerca de 50 casos documentados durante a Idade Média e Petrus foi o primeiro deles.
Mas afinal, o que é hipertricose?
Hipertricose, é um termo utilizado para designar pessoas portadoras de uma anomalia extremamente rara, que causa o crescimento excessivo de pelos no corpo humano. As pessoas acometidas por este distúrbio apresentam a pele toda coberta de pelos – em maior ou menor quantidade, exceto nas palmas das mãos e pés. Poucos casos de Hipertricose (cerca de 50), foram relatados desde a Idade Média.
A causa pode ser encontrada em uma alteração genética de certos cromossomos, uma peculiaridade no DNA, podendo ser na maioria das vezes, adquirida através de herança familiar. Tal hereditariedade, faz com que seja normal que em algumas famílias, existam diversos integrantes com esta alteração – visto que existem 50% de chances, de que o descendente possua tal síndrome. Porém, é interessante ressaltar, que nem sempre as mutações ocorrem de forma hereditária, mas espontaneamente – embora seja ainda mais raro.
Historicamente, ela foi conhecida como “síndrome do lobisomem” e até “síndrome de Ambras” – em homenagem a um castelo perto de Innsbruck, capital do Tirol, onde foram descobertos os retratos da família Gonsalvus – ainda preservados na “Câmara de Arte e Curiosidades”.
Existem duas variações da anomalia:
Hipertricose Lanuginosa Congênita: O pelo é relativamente fino e felpudo e pode chegar a 25 cm de comprimento.
Síndrome de Abras: Nesta variante, o pelo é mais grosso, é colorido, e cresce durante toda a vida.
Além da exagerada presença de pelos no corpo, as pessoas que sofrem desta síndrome não possuem nenhuma outra alteração, ou seja, a expectativa de vida e as chances de ficar doente, são as mesmas de uma pessoa normal. Sua maior complicação, de fato é sua aparência perante a sociedade, pois a pessoa que sofre deste distúrbio, geralmente fica isolada, é discriminada e maltratada física ou psicologicamente.
Aparentemente, Petrus Gonzales e sua família, são os casos mais antigos documentados de Hipertricose na Europa. Esta anomalia, pode ser encontrada em pequenos grupos étnicos negros e asiáticos, sendo menos comum no norte da Europa e ocorrendo com maior freqüência na região do Mediterrâneo, local de onde Petrus originara-se. Portanto, não é difícil entender, porque Petrus e seus descendentes, chamaram tanta atenção na Europa. É importante notar, que na Europa do século XVI – devido à falta de conhecimentos sobre tal anomalia -, viam as pessoas portadoras de Hipertricose, como pouco humanas.
Saiba onde a história começou e alguns detalhes que você não vai ver no clássico da Disney neste vídeo abaixo:
Detalhes macabros
– A versão de Beaumont teria deixado de lado alguns elementos mais macabros do “conto de fadas” que estavam presentes na primeira versão. Um deles é o de que a Fera perdeu o pai e mãe ainda na infância e foi criado por uma fada malvada, que tentou seduzi-lo quando ainda era criança. Diante da recusa, a feiticeira o transformou em um animal.
– Além disso, no conto original, Bela não seria filha de verdade do mercador, e sim de um rei. Quando seu verdadeiro pai foi vítima de uma tentativa de assassinato pela mesma fada do mal, Bela toma o lugar de uma filha morta do mercador para se disfarçar.
– Na versão de Villeneuve, Bela tem ainda duas irmãs más: depois que a princesa e a Fera se apaixonaram, as irmãs delas elaboraram um plano para mantê-la fora do castelo por muito tempo, o suficiente para fazer com o que o príncipe a devorasse quando ela retornasse.
*(Bônus) Dica de Filme – A Leoa*
A Leoa baseado no romance “Løvekvinnen”, de Erik Fosnes Hansen, é um filme norueguês levemente baseado em uma história real. O longa acompanha a história de Eva, uma garota que sofre com hipertricose, a rara doença que a deixa coberta de pelos no rosto e corpo inteiro. A Leoa explora a jornada de Eva em um mundo de preconceito, intolerância e um pequeno fio de esperança e resiliência.
Qual será o desfecho da aventura de Eva e o que o destino lhe reserva? Só assistindo este ótimo filme para saber, e tem na plataforma de streaming Netflix, confira o trailer abaixo: