Algumas pessoas não levam a sério aquela premissa de “até que a morte nos separe”, pois é, isso não é valido nos casamentos póstumos, já que eles só acontecem caso uma pessoa ou mesmo as duas estejam mortas. Em termos científicos, chama-se de “necrogamia” a atitude de se casar com uma pessoa já morta ou de juntar os trapinhos com os restos mortais do ser amado. Para quem não sabe, na França, os casamentos póstumos são legalizados e já aconteceram alguns por lá.
Esse tipo de matrimônio extremamente fora do comum foi legalizado na França durante a Primeira Guerra Mundial, quando algumas mulheres insistiam em se casar com seus noivos, ainda que eles tivessem morrido em combate. Nascia, então, o “casamento pós-morte”, que se tornou oficialmente permitido nos anos de 1950.
A maior representante da legalização francesa do matrimônio pós-morte foi uma moça chamada Iréne Jodart, que implorou diretamente ao então presidente Charles De Gaulle para que ela pudesse se casar com seu amado noivo, André Capra, uma das 423 vítimas que morreram no rompimento de uma barragem em Fréjus em 1959. A história chamou atenção da imprensa francesa e, em questão de poucos meses, a lei foi criada. Em termos financeiros, o casório mórbido não permite que a pessoa viva receba os bens da pessoa morta, mas autoriza o pagamento de pensão ou seguro, especialmente se o casal tiver filhos.
Quando ouvimos uma história dessas, é relativamente normal pensarmos que isso tudo é coisa que deve ter ficado no passado, mas a verdade é que o casamento pós-morte ainda é praticado atualmente. A cerimônia, no entanto, é mais simbólica mesmo, afinal um dos envolvidos já está morto.
Em 2009 uma francesa se casou com o namorado que já estava morto há um ano. O casal estava de casamento marcado, mas o rapaz acabou falecendo num acidente de carro em novembro de 2008 no leste da França. Magali Jaskiewicz e Jonathan Goerge já moravam juntos havia seis anos e já tinham duas filhas. Eles chegaram a dar entrada nos papéis do casamento antes do jovem morrer.
Depois da morte do parceiro, Magali Jaskiewicz fez uso de um artigo do código civil francês que permite o casamento com uma pessoa falecida desde que o casal já tivesse dado início ao processo formal para concretizar a união. O casamento teve autorização e aconteceu em cerimônia realizada na Prefeitura do vilarejo de Dommary-Baroncourt, no leste da França em que Magali pode usar o vestido que já havia escolhido antes da tragédia. Após a cerimônia, a mulher passou a ser considerada oficialmente como viúva.
Um pouco mais recente, no ano de 2017, outro caso de casamento póstumo ganhou as manchetes dos jornais franceses. Etienne Cardiles celebrou seu casamento com Xavier Jugelé, de 37 anos, assassinado em 20 de abril daquele ano na avenida Champs-Élysées, em Paris, por um extremista islâmico quando estava de serviço em um ataque três dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais francesas. Jugelé era conhecido por seu ativismo em favor dos direitos dos homossexuais no seio da polícia. A cerimônia póstuma em homenagem ao falecido, em 25 de abril, teve a presença do ex-presidente francês François Hollande e da prefeita da capital francesa, Anne Hidalgo. O casal morava junto antes do trágico assassinato. Esse foi o primeiro casamento gay póstumo do mundo.
Atualmente, a estimativa é a de que 20 casamentos desse estilo sejam realizados na França todos os anos, e para conseguir realizar esse tipo de união é preciso esperar que o processo passe por várias instâncias legais – mas o amor além da morte não acontece apenas lá, não! Há registros de pombinhos póstumos nos EUA, na Coreia do Sul, na Alemanha, na África do Sul, no Sudão, na Tailândia e na China.
Na cultura chinesa, inclusive, ao longo dos últimos séculos, o casamento pós-morte foi praticado pelos motivos mais diversos, inclusive por quem não aceitava perder o noivo ou a noiva por questões familiares, que impunham à mulher o dever de ser casada, mesmo que com alguém que já estivesse morto. Às vezes os chineses até mesmo casavam duas pessoas já mortas, ainda que, para isso, tivessem que desenterrá-las só para sepultá-las novamente, agora lado a lado.
Além disso, as mulheres chinesas, quando se casavam com um pretendente já falecido, acabavam muitas vezes sendo obrigadas a trabalhar para a família do maridão, cumprindo atividades domésticas. A tradição mudou em 1949, quando as mulheres tiveram o direito de não aceitar o casamento com uma pessoa morta em nome da honra familiar – ufa! Ainda assim, esse tipo de casamento ainda acontece no país.
No Sudão há uma tradição de que quando um homem comprometido para se casar, morre, seu irmão deve substituí-lo no casamento e todos os filhos que venha a ter, serão considerados filhos de seu irmão falecido. Por sua vez, as mulheres se casam com os homens para dar continuidade à linhagem familiar deles: casando-se com homens falecidos, mantêm com elas a riqueza de seus maridos em vez de perder o direito a ela após casarem-se com outro.
Para provar que esses casos não são tão raros assim, vou contar alguns casos de casamentos póstumos que aconteceram ao redor do mundo.
Correia do Sul
Antes de morrer em um acidente de trânsito, com apenas 17 anos em janeiro de 1984, Heung Jin Moon era filho de Sun Myung Moon e Hak Ja Han, líderes da Igreja da Unificação na Coreia do Sul. De acordo com os ensinamentos de tal igreja, apenas casais podiam entrar no céu. Como Heung Jin Moon planejava se casar com a principal bailarina Julia Pak antes de morrer, seus pais conduziram um casamento espiritual para o casal no dia 20 de fevereiro de 1984. Hoje diretora geral do Ballet Universal, Julia é Julia H. Moon. Ela ficou muito conhecida por entregar mensagens em nome do seu finado marido do mundo espiritual.
Alemanha
Aparecendo no diário de Anne Frank como o pseudônimo Albert Dussel, Friedrich “Fritz” Pfeffer era um dentista judeu que passou dois anos escondido com a família de Frank. Porém, antes disso acontecer, Pfeffer conheceu e se apaixonou por Charlotte Kaletta. Devido às leis nazistas de 1935, os dois não podiam se casar na Alemanha, pois ele era judeu e ela não. Eles foram para Holanda, embora seu casamento, ainda assim, fosse ilegal. Depois que os nazistas invadiram a Holanda em maio de 1940, Pfeffer foi forçado a se esconder. Ele foi descoberto, preso e enviado a Auschwitz, em setembro de 1944. Depois, ele foi para Neuengamme, em outubro. Ele foi assassinado no dia 20 de dezembro de 1944.
Kaletta soube da morte de Pfeffer quase um ano depois dele ter falecido. No dia 9 de abril de 1953, Kaletta finalmente foi autorizada a se casar legalmente com Pfeffer, mesmo que ele já estivesse morto. Casaram-se com os efeitos do matrimônio retroagindo a 31 de maio de 1937.
África do Sul
No ano de 2004, na pequena vila de Cere, África do Sul, David Masenta matou sua noiva grávida com um tiro. Depois, ele tirou a sua vida. Mas a história não acaba por aí. Como os membros das famílias queriam lembrar o casal como pessoas felizes, eles conseguiram fazer o tal casamento.
Com os convidados vestidos adequadamente, antes de serem enterrados, o casal estava lado a lado em seus caixões para a cerimônia. Especialistas em cultura africana, explicam que na cultura africana, não há morte. Existe apenas a separação do corpo e da alma. Eles se casaram e só depois foram enterrados.
Tailândia
Em Surin, Tailândia, Chadil “Deffy” Yuenying e Sarinya “Anne” Kamsook namoraram por 10 anos antes de se casarem, uma vez que Kamsook já estava morto. Antes de ser morta inesperadamente em um acidente, os dois tinham planejado se casar depois que Yuenying terminasse seus estudos. No começo do ano de 2012, Yuenying casou-se com ela principalmente por culpa, pois ele atrasou suas núpcias. Ele chegou a dizer que não fez o suficiente por Kamsook antes de morrer, e por isso resolveu se casar.
Estados Unidos
Nos EUA, um casamento póstumo raro foi permitido no ano de 2014. Janetta Gardiner e Kenneth Vanderwerff namoraram entre 2007 e 2010, quando ele veio a falecer com seus 78 anos de idade. Kenneth foi enterrado ao lado de sua primeira esposa. Porém, antes de morrer ele morou com sua futura namorada por três anos até sua morte. Passados quatros anos da morte de Kenneth Vanderwerff, sua até então namorada com 82 anos e por motivos religiosos, ela queria se casar legalmente com seu falecido namorado. Depois de esperar um ano pela decisão, a Suprema Corte finalmente concedeu sua permissão, tornando-a dona das propriedades de Vanderwerff. Logo, os primos de Vanderwerff interviram, e o caso foi parar nos tribunais. Em última análise, o casamento foi reintegrado, e a Suprema Corte de Utah, emitiu a decisão declarando Janetta e Kenneth, marido e mulher além da morte se separam.
E aí, já tinha visto algum caso de casamento póstumo? Obrigada pela leitura, me siga nas minhas redes sociais:
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