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Menina trans é barrada em campeonato de patinação

A liminar que permitia que uma menina de 11 anos, participasse do Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística foi derrubada pela Justiça no último sábado, 20. A decisão, que havia sido dada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, caiu após um recurso apresentado pela Confederação Sul-Americana de Patinação Artística.

A criança é transexual e foi impedida de competir na categoria internacional apesar de ter ficado na segunda posição do campeonato brasileiro – o que lhe garantia a vaga automática na competição sul-americana. A menina não foi convocada, sob a justificativa de ser uma criança transgênero e seus pais recorreram à Justiça. O Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística ocorre até o dia 30 de abril em Joinville (SC) e a patinadora se apresentaria na próxima segunda-feira 22.

Em entrevista para a Revista Veja, o empresário e professor Gustavo Uchoa Cavalcanti, de 37 anos, pai da menina, disse que após a classificação da filha na etapa nacional, ele recebeu um e-mail da Confederação Brasileira informado que ela não poderia competir na esfera internacional entre as outras atletas. Uma das principais polêmicas envolvendo atletas transexuais femininas é que essas pessoas teriam níveis mais altos de testosterona circulando no organismo, o que lhes daria vantagens físicas sobre as outras meninas.

“A regra previa classificação automática para a competição internacional para os cinco primeiros colocados. Ela ficou em segundo lugar e não foi convocada. Imaginei que a Confederação Brasileira, ao autorizar sua participação na competição nacional, teria comunicado a Confederação Sul-Americana da sua inscrição”, afirma Carvalho, que procurou a entidade em busca de esclarecimentos.

Resposta da Confederação

Em resposta ao pai, a Confederação Sul-Americana alegou que as inscrições dos atletas são baseadas no sexo de nascimento, cujos documentos de identidade confirmem a que categoria pertencem: registro de identidade masculino, categoria masculina; registro de identidade feminino, categoria feminina. Finalizou dizendo que “tal conceito não é passível de contestação”. O processo de retificação do nome da menina está na Justiça desde o ano passado, ainda sem decisão.

Ainda insatisfeito com a explicação, Carvalho procurou a World Skate – órgão máximo da patinação artística. A resposta começa com “antes de mais nada, a Federação Internacional tem por obrigação concordar em aceitar atletas transgêneros”, mas segue a mesma linha de posicionamento da Confederação Sul-Americana. Diz, basicamente, que, “além das taxas de testosterona, há outras normas e condições que os atletas precisam aceitar”.

Apesar de a patinação sobre rodas não ser um esporte olímpico, as duas entidades se posicionam contrariamente ao que determina o Comitê Olímpico Internacional (COI) desde 2016. Naquele ano, a entidade mudou a sua resolução sobre atletas transexuais em competições oficiais e determinou que homens trans podem participar dos eventos da entidade sem nenhuma restrição e as mulheres trans precisam apenas ter a quantidade de testosterona controlada para poder competir em equipes femininas. Determinou o COI que as mulheres não podem ter mais de 10 nanomol por litro (unidade de medida que indica a quantidade de testosterona) do hormônio no sangue nos 12 meses anteriores à competição. A necessidade de cirurgia de redesignação do sexo também deixou de ser obrigatória.

A tese envolvendo os níveis de testosterona é imediatamente derrubada pelo pai da menina, que esclarece que ela ainda nem entrou na puberdade, portanto, seus níveis de testosterona são como o de qualquer criança, seja menino ou menina. Além do acompanhamento com endocrinologista, a criança é paciente há dois anos do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS), no Hospital das Clínicas de São Paulo. O ambulatório, coordenado pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, é o primeiro e único no país a atender crianças e adolescentes com questões de gênero. Lá, a menina é monitorada a cada 45 dias. “O bloqueio hormonal da produção de testosterona só acontecerá quando ela entrar na puberdade. Por enquanto, a orientação que recebemos é apenas de acolher e cuidar”, explica Carvalho.

Caso Tifanny

A polêmica em torno da história lembra o caso da jogadora de vôlei Tifanny Abreu, primeira mulher transexual a disputar a Superliga Feminina de Vôlei. A atleta atuava sem destaque no torneio masculino em 2011, antes de passar pela transição de gênero e competir com as mulheres, a partir de 2015, onde conquistou espaço de destaque. Apesar de os críticos afirmarem que ela apresenta vantagem física em quadra – pois sua transição aconteceu aos 30 anos de idade – a atleta está dentro das normas do COI.

Moacyr Neuenschwander Filho, presidente das duas confederações de patinação – tanto a brasileira quanto a sul-americana – disse à Veja que vai cumprir a determinação da Justiça. “Fomos obrigados a atender essa liminar, mas no esporte sobre rodas não há nenhum precedente de participação de crianças transexuais. Adultos, menos ainda. Essa é uma questão que envolve regulamentos internacionais. O Brasil é apenas a sede do campeonato internacional. Não deveria ter acontecido essa celeuma toda”, diz.

Segundo Moacyr, quando os pais pediram para inscrever a menina na competição nacional, ele levou o caso para votação em assembleia dentro da Confederação Brasileira, por se tratar de uma questão inédita. “Foi aprovada a participação dela na competição brasileira. Mas, no âmbito internacional as regras mudam. E a principal delas é a questão do nome no documento de identidade”, diz.

Os pais da menina comemoraram a decisão da Justiça e garantiram que ela está pronta para competir – a apresentação será no dia 22 de abril. “Ela está treinando bastante. Ela tem potencial e com certeza vai incomodar”, afirmou o pai.

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