NotĂ­cias de CriciĂşma e RegiĂŁo

JORGE BOEIRA: Crônica anunciada das cento e poucas mil mortes 

As mortes por corona vírus no Brasil foram anunciadas desde as primeiras observações feitas acerca da disseminação do codiv-19. Toda a comunidade científica alertou para o iminente perigo da pandemia. Nada nem ninguém poderia salvar a população da tragédia que se anunciava, mas ela poderia ser redimida se as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade cientifica fosse levadas à sério pela principal autoridade da República brasileira. Desde o início da pandemia do corona vírus, o presidente Jair Bolsonaro minimizou e desdenhou da gravidade da covid-19, passou à população mensagens que contradizem as orientações das autoridades de saúde e dedicou à pandemia um tratamento baseado numa narrativa negacionista elaborada com frases e ações que não combinavam com as melhores práticas preventivas e sanitárias. Apostou na descoordenação da ações, na desautorização de dois de seus ex ministros da saúde e no confronto com governadores e prefeitos.

A melhor prova disso, se encontra em suas narrativas, como veremos abaixo:

Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o “poder destruidor” do corona vĂ­rus estava sendo “superdimensionado”. AtĂ© entĂŁo, a epidemia ainda nĂŁo havia feito vĂ­timas fatais no Brasil;

Em 15 de março, ele afirmou: “A população da Europa Ă© mais velha do que a nossa. EntĂŁo mais gente vai ser atingida pelo vĂ­rus do que nĂłs”. Chute puro, embora ainda nĂŁo tĂ­nhamos registro de mortes por covid-19 entre nĂłs;

Em 18 de março, desdenhou da gravidade da pandemia.  “Já tivemos problemas mais graves no passado”, referindo-se à H1N1. Somávamos as primeiras mortes, eram 04 até então;

Em 20 de março, ao ser questionado por jornalistas se faria um novo exame para detectar a Covid-19, respondeu:  “Depois da facada, nĂŁo vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, nĂŁo. Tá ok”. Neste dia, o Brasil registrava 11 mortes;

Em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter “histĂłrico de atleta”, “nada sentiria” se contraĂ­sse o novo corona vĂ­rus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”.  Insinuou que a pandemia era uma doença de idosos ao afirmar que “sĂŁo raros os casos fatais de pessoas sĂŁs com menos de 40 anos” e clamou o povo a resignar-se com um “Todos nĂłs vamos morrer um dia”.  Neste dia, a gripezinha já tinha matado 46 pessoas;

Em 26 de março, incorporou o papel de profissional da saĂşde e defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19, quando nĂŁo havia, como ainda nĂŁo há, qualquer embasamento cientĂ­fico que comprove a eficácia do medicamento no combate ao corona vĂ­rus. “Está dando certo”. NĂŁo estava. O nĂşmero de vĂ­timas batia em 77;

Em 27 de março, criticou as políticas de distanciamento e isolamento social implementadas   alguns governadores.  “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. É a vida”. “Você não pode parar uma fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas todos os anos”.  Neste dia, o Brasil contava os seus 92 mortos;

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Em 29 de março, apĂłs visitar o comĂ©rcio em BrasĂ­lia, contrariando recomendações deu seu prĂłprio MinistĂ©rio da SaĂşde e da OMS, disse que era necessário enfrentar o vĂ­rus “como homem”. “O emprego Ă© essencial, essa Ă© a realidade. Vamos enfrentar o vĂ­rus com a realidade. É a vida. Todos nĂłs vamos morrer um dia”. De fato, neste dia o covid-19 já tinha matado136 brasileiros;

Em 30/03, atribuiu a quem não foi atleta a falta de sorte diante de uma possível infecção “Se o vírus pegar em mim, não vou sentir quase nada. Fui atleta e levei facada”. Neste dia, a soma dos azarados por não ter sido atleta chegava aos 159;

Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por corona. No mundo, já eram 100 mil Ăłbitos. Dois dias depois, em 12/04, Bolsonaro, ao contrário do que demonstrava os nĂşmeros, afirmou que “parece que está começando a ir embora essa questĂŁo do vĂ­rus”. Errou feio. O Brasil se tornaria, meses depois, o epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.  Naquele dia, somávamos 1.057 mortos;

Em 20 de abril, questionado por um jornalista sobre o nĂşmero de mortos por covid-19, cravou com extrema sutileza “Eu nĂŁo sou coveiro”. Nem se fosse, daria conta de enterrar 2.575 cadáveres;

Em 28 de abril, o presidente estava sendo novamente indagado sobre os nĂşmeros do vĂ­rus. Respondeu Ă  pergunta com uma resposta: “E daĂ­? De pois completou: “Lamento. Quer que eu faça o quĂŞ? Eu sou Messias, mas nĂŁo faço milagre…”. NĂŁo fazia, já eram 5.017 mortos

Em 7 de maio, com o Rio de Janeiro e SĂŁo Paulo em quarentena, o presidente, anunciou que faria uma festinha. “Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha…”. Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notĂ­cia era “fake”. O que nĂŁo era fake, lamentavelmente, era o nĂşmero total de Ăłbitos que neste dia bateu na casa dos 9.146;

Em 10 de junho, enquanto conversava com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro mandou uma mulher que o questionava sobre o nĂşmero de brasileiros mortos pela pandemia de covid-19 “cobrar do seu governador”. Devia ter perdido a conta, mas neste dia, o Brasil chorava um total 39.600 mortos;

Em 07 de julho, o presidente ao confirmar que contraĂ­ra o covid-19, afirmou sentir “mal-estar, cansaço, um pouco de dor muscular”. Neste dia, o nĂşmero de ´pessoas que nĂŁo tinham resistido ao covid-19 somava 66.741;

Em 31 de julho, o presidente anunciou que estava “curado” e sugeriu que a disseminação do vĂ­rus Ă© inevitável. “Infelizmente, acho que quase todos vocĂŞs vĂŁo pegar um dia. Tem medo do quĂŞ? Enfrenta!”.  AtĂ© entĂŁo 92.475 que o enfrentaram, nĂŁo tiveram a mesma sorte;

Em 06 de agosto, ratificou sua posição de prevalĂŞncia da economia sobre a vida. “O efeito colateral (da economia) Ă© mais grave que o prĂłprio vĂ­rus”.  “Quase nove milhões perderam empregos no segundo trimestre. “Estamos com a consciĂŞncia tranquila”. Parecia mesmo muito tranquilo, já que encontrou tempo para fazer ilação homofĂłbica com um apoiador de Santa Catarina. Temendo que o mesmo fosse da cidade cujo prefeito recomendara ozĂ´nio terapia retal no tratamento da pandemia, brincou: “NĂŁo Ă© de ItajaĂ­, nĂŁo, nĂ©?”. Afora a brincadeira de mau gosto, insistiu com cloroquina. “Quem nĂŁo quer tomar cloroquina, nĂŁo tente proibir”. Enquanto isso, a soma de vĂ­timas pelo corona vĂ­rus chegava Ă  casa dos 98.493 mortos;

Em 13 de agosto, nĂŁo dá o braço a torcer e volta a defender aa hidroxicloroquina, afirmando ser “a prova viva” da eficácia do remĂ©dio, que nĂŁo tem comprovação cientĂ­fica. “Sabemos que mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil. Caso tivessem sido tratadas lá atrás com esse medicamento, poderiam essas [perdas de] vidas terem sido evitadas; mais ainda aqueles que criticaram a hidroxicloroquina nĂŁo apresentaram [outra] alternativa”. Enquanto isso, o Brasil registrava neste dia o montante de 105.564 vidas perdidas para o corona vĂ­rus.

Não se sabe quais outras pérolas o presidente irá proferir até o final da pandemia, mas posso assegurar que não será nada profundo, poético ou empático, pois as suas narrativas durante todo o período da pandemia, até então, apenas flertaram com o trágico, com a necro política e com o genocídio.  Batemos na marca dos 105.564 mortos, número que, tristemente, hoje será menor que amanhã, que amanhã será menor depois de amanhã e, assim sucessivamente, um corolário de mortes a compor o enredo macabro de uma crônica de mortes anunciadas em que se destaca o encadeamento de práticas e narrativas postas a ceifar vidas e banalizar mortes.

 

 

 

 

 

 

 

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