As mortes por corona vĂrus no Brasil foram anunciadas desde as primeiras observações feitas acerca da disseminação do codiv-19. Toda a comunidade cientĂfica alertou para o iminente perigo da pandemia. Nada nem ninguĂ©m poderia salvar a população da tragĂ©dia que se anunciava, mas ela poderia ser redimida se as recomendações da Organização Mundial da SaĂşde (OMS) e da comunidade cientifica fosse levadas Ă sĂ©rio pela principal autoridade da RepĂşblica brasileira. Desde o inĂcio da pandemia do corona vĂrus, o presidente Jair Bolsonaro minimizou e desdenhou da gravidade da covid-19, passou Ă população mensagens que contradizem as orientações das autoridades de saĂşde e dedicou Ă pandemia um tratamento baseado numa narrativa negacionista elaborada com frases e ações que nĂŁo combinavam com as melhores práticas preventivas e sanitárias. Apostou na descoordenação da ações, na desautorização de dois de seus ex ministros da saĂşde e no confronto com governadores e prefeitos.
A melhor prova disso, se encontra em suas narrativas, como veremos abaixo:
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o “poder destruidor” do corona vĂrus estava sendo “superdimensionado”. AtĂ© entĂŁo, a epidemia ainda nĂŁo havia feito vĂtimas fatais no Brasil;
Em 15 de março, ele afirmou: “A população da Europa Ă© mais velha do que a nossa. EntĂŁo mais gente vai ser atingida pelo vĂrus do que nĂłs”. Chute puro, embora ainda nĂŁo tĂnhamos registro de mortes por covid-19 entre nĂłs;
Em 18 de março, desdenhou da gravidade da pandemia. “Já tivemos problemas mais graves no passado”, referindo-se à H1N1. Somávamos as primeiras mortes, eram 04 até então;
Em 20 de março, ao ser questionado por jornalistas se faria um novo exame para detectar a Covid-19, respondeu: “Depois da facada, nĂŁo vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, nĂŁo. Tá ok”. Neste dia, o Brasil registrava 11 mortes;
Em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter “histĂłrico de atleta”, “nada sentiria” se contraĂsse o novo corona vĂrus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”.  Insinuou que a pandemia era uma doença de idosos ao afirmar que “sĂŁo raros os casos fatais de pessoas sĂŁs com menos de 40 anos” e clamou o povo a resignar-se com um “Todos nĂłs vamos morrer um dia”. Neste dia, a gripezinha já tinha matado 46 pessoas;
Em 26 de março, incorporou o papel de profissional da saĂşde e defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19, quando nĂŁo havia, como ainda nĂŁo há, qualquer embasamento cientĂfico que comprove a eficácia do medicamento no combate ao corona vĂrus. “Está dando certo”. NĂŁo estava. O nĂşmero de vĂtimas batia em 77;
Em 27 de março, criticou as polĂticas de distanciamento e isolamento social implementadas   alguns governadores. “Alguns vĂŁo morrer? VĂŁo, uĂ©, lamento. É a vida”. “VocĂŞ nĂŁo pode parar uma fábrica de automĂłveis porque há mortes nas estradas todos os anos”.  Neste dia, o Brasil contava os seus 92 mortos;
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Em 29 de março, apĂłs visitar o comĂ©rcio em BrasĂlia, contrariando recomendações deu seu prĂłprio MinistĂ©rio da SaĂşde e da OMS, disse que era necessário enfrentar o vĂrus “como homem”. “O emprego Ă© essencial, essa Ă© a realidade. Vamos enfrentar o vĂrus com a realidade. É a vida. Todos nĂłs vamos morrer um dia”. De fato, neste dia o covid-19 já tinha matado136 brasileiros;
Em 30/03, atribuiu a quem nĂŁo foi atleta a falta de sorte diante de uma possĂvel infecção “Se o vĂrus pegar em mim, nĂŁo vou sentir quase nada. Fui atleta e levei facada”. Neste dia, a soma dos azarados por nĂŁo ter sido atleta chegava aos 159;
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por corona. No mundo, já eram 100 mil Ăłbitos. Dois dias depois, em 12/04, Bolsonaro, ao contrário do que demonstrava os nĂşmeros, afirmou que “parece que está começando a ir embora essa questĂŁo do vĂrus”. Errou feio. O Brasil se tornaria, meses depois, o epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.  Naquele dia, somávamos 1.057 mortos;
Em 20 de abril, questionado por um jornalista sobre o nĂşmero de mortos por covid-19, cravou com extrema sutileza “Eu nĂŁo sou coveiro”. Nem se fosse, daria conta de enterrar 2.575 cadáveres;
Em 28 de abril, o presidente estava sendo novamente indagado sobre os nĂşmeros do vĂrus. Respondeu Ă pergunta com uma resposta: “E daĂ? De pois completou: “Lamento. Quer que eu faça o quĂŞ? Eu sou Messias, mas nĂŁo faço milagre…”. NĂŁo fazia, já eram 5.017 mortos
Em 7 de maio, com o Rio de Janeiro e SĂŁo Paulo em quarentena, o presidente, anunciou que faria uma festinha. “Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha…”. Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notĂcia era “fake”. O que nĂŁo era fake, lamentavelmente, era o nĂşmero total de Ăłbitos que neste dia bateu na casa dos 9.146;
Em 10 de junho, enquanto conversava com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro mandou uma mulher que o questionava sobre o nĂşmero de brasileiros mortos pela pandemia de covid-19 “cobrar do seu governador”. Devia ter perdido a conta, mas neste dia, o Brasil chorava um total 39.600 mortos;
Em 07 de julho, o presidente ao confirmar que contraĂra o covid-19, afirmou sentir “mal-estar, cansaço, um pouco de dor muscular”. Neste dia, o nĂşmero de ´pessoas que nĂŁo tinham resistido ao covid-19 somava 66.741;
Em 31 de julho, o presidente anunciou que estava “curado” e sugeriu que a disseminação do vĂrus Ă© inevitável. “Infelizmente, acho que quase todos vocĂŞs vĂŁo pegar um dia. Tem medo do quĂŞ? Enfrenta!”. AtĂ© entĂŁo 92.475 que o enfrentaram, nĂŁo tiveram a mesma sorte;
Em 06 de agosto, ratificou sua posição de prevalĂŞncia da economia sobre a vida. “O efeito colateral (da economia) Ă© mais grave que o prĂłprio vĂrus”. “Quase nove milhões perderam empregos no segundo trimestre. “Estamos com a consciĂŞncia tranquila”. Parecia mesmo muito tranquilo, já que encontrou tempo para fazer ilação homofĂłbica com um apoiador de Santa Catarina. Temendo que o mesmo fosse da cidade cujo prefeito recomendara ozĂ´nio terapia retal no tratamento da pandemia, brincou: “NĂŁo Ă© de ItajaĂ, nĂŁo, nĂ©?”. Afora a brincadeira de mau gosto, insistiu com cloroquina. “Quem nĂŁo quer tomar cloroquina, nĂŁo tente proibir”. Enquanto isso, a soma de vĂtimas pelo corona vĂrus chegava Ă casa dos 98.493 mortos;
Em 13 de agosto, nĂŁo dá o braço a torcer e volta a defender aa hidroxicloroquina, afirmando ser “a prova viva” da eficácia do remĂ©dio, que nĂŁo tem comprovação cientĂfica. “Sabemos que mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil. Caso tivessem sido tratadas lá atrás com esse medicamento, poderiam essas [perdas de] vidas terem sido evitadas; mais ainda aqueles que criticaram a hidroxicloroquina nĂŁo apresentaram [outra] alternativa”. Enquanto isso, o Brasil registrava neste dia o montante de 105.564 vidas perdidas para o corona vĂrus.
NĂŁo se sabe quais outras pĂ©rolas o presidente irá proferir atĂ© o final da pandemia, mas posso assegurar que nĂŁo será nada profundo, poĂ©tico ou empático, pois as suas narrativas durante todo o perĂodo da pandemia, atĂ© entĂŁo, apenas flertaram com o trágico, com a necro polĂtica e com o genocĂdio.  Batemos na marca dos 105.564 mortos, nĂşmero que, tristemente, hoje será menor que amanhĂŁ, que amanhĂŁ será menor depois de amanhĂŁ e, assim sucessivamente, um corolário de mortes a compor o enredo macabro de uma crĂ´nica de mortes anunciadas em que se destaca o encadeamento de práticas e narrativas postas a ceifar vidas e banalizar mortes.