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Inovação social: como a tecnologia gera oportunidade e mudança de vida

Associação Beneficente Abadeus une propósito, inovação e tecnologia para transformar a realidade de crianças e adolescentes

O despertador toca e mostra o horário: 5h45. Israel de Souza, de 17 anos, acorda e se prepara para mais um dia. Por volta das 6h30 ele pega o ônibus, geralmente lotado, e inicia a jornada do bairro Progresso até o Cristo Redentor, praticamente cortando Criciúma. O destino é a Associação Beneficente Abadeus.

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Na entidade, ele conseguiu uma oportunidade de emprego em uma empresa de confecção. Por isso faz o curso de Jovem Aprendiz. Porém o dia será diferente, já que ele terá que apresentar uma ideia inovadora, desenvolvida durante o curso de 20 dias. Essa apresentação, chamada de pitch, marca o final do curso e o início da jornada dentro da empresa.

“Já procurava porque desde sempre quis começar mais cedo. Aí quando descobri que tinha uma empresa perto de casa e a Abadeus me ajudou, fiquei muito feliz, porque é uma experiência nova e estou adquirindo muito conhecimento aqui dentro”, comenta.

Israel cursa o 2º ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica João Frassetto, no bairro Santa Luzia, em Criciúma, durante a noite e já vislumbra um futuro ligado à tecnologia. Por isso está de olho para quando abrir vagas no curso de programação da Abadeus.

“Quero fazer a prova do IFSC para Mecatrônica, porque sempre fui muito bom com tecnologia. Tanto que fazia projeto e levava para o CRAS (Renascer) na época que eu frequentava. Sou muito bom com qualquer coisa de tecnologia e aprendo rápido. Isso me despertou esse lado e sempre quis ir para essa área”, ressalta o jovem mora com a mãe, o irmão e o padrasto.

Quanto à ideia inovadora apresentada, o jovem buscou uma solução para algo que faz parte da rotina dele: ônibus lotados. “Um aplicativo que mostra onde o ônibus está em tempo real e a lotação. Já existem alguns que fazem isso. Até porque é uma preocupação, também, se o ônibus já está chegando, se não está, se está atrasado”, explica Israel.

Na conclusão do curso de Jovem Aprendiz, Israel apresentou a ideia de um aplicativo que mostre o ônibus em tempo real | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Tala para cachorros

Quem também estava ansiosa para a apresentação que marca a conclusão do curso de Jovem Aprendiz, era Caroline Baggio Domingos, 19 anos. Ela mora no bairro Vila Zuleima com o esposo e conseguiu uma oportunidade em uma empresa de confecção através da Abadeus. “Dei meu nome e sempre estava ali na espera, surgiu uma vaga e me chamaram. Fiz os 20 dias do curso e agora vou começar no almoxarifado da empresa”, diz ela.

Quanto à apresentação, Caroline fez uma aposta e pensa em tentar seguir com a ideia: talas de EVA para pets. A inspiração veio do pai que é do Corpo de Bombeiros e desenvolveu uma tala do material para a utilização em ambulâncias e hospitais.

Caroline Baggio desenvolveu uma tala pet feita de EVA | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

“Meu pai faz tala para adultos, ele é bombeiro e inventou um jeito de criar uma tala que não fosse descartável. Eles gastavam muito com isso e não era tão boa. Ele fez uma tala que hoje é usada em hospitais, no Samu, entre outros. Eu me inspirei nele e vi também que os animais precisam disso. Criei uma tala protótipo para cachorro”, explica ela.

Inclusive, ela foi obrigada a testar a ideia inovadora na prática, já que o cachorrinho dela, o Billy, foi atropelado. A inovação foi aprovada. “É impermeável e não é descartável, também, é mais acessível ao bolso dos consumidores. Ela é feita de EVA mais grosso e não dobra. Quando o cachorro quebra a pata se utiliza ela. O problema é que as talas comuns, o cachorro não pode molhar, aí quando ele vai urinar o dono precisa ficar toda hora olhando. Com essa não precisa, é só higienizar”, destaca Caroline.

O cachorrinho de Caroline, Billy foi atropelado e teve que usar a tala | Foto: Reprodução/Portal Litoral Sul

 

Inovação social como modelo de negócio

Com o despertar do ecossistema de inovação no Sul catarinense, a Abadeus deu um passo adiante e decidiu adotar o conceito de inovação social como modelo de negócio.

“A inovação ela perpassa todos os setores, desde a alta gestão até os processos operacionais realizados na entidade. Desde a educação infantil que atende crianças de 1 a 3 anos até idosos, onde atuamos com empreendedorismo e informática básica, e o clube das mulheres onde elas executam diversas atividades”, comenta o gestor de inovação da Abadeus, Maicon Jung Canever.

Desde os sete anos de idade, as crianças começam a ter contato com a inovação. Como é o caso de João Isaias da Silva da Luz, 11 anos, que faz o curso Exploradores. Duas vezes na semana, durante todo o dia, ele fica na entidade e tem aulas de esporte, cultura e tecnologia como foto, música e robótica.

“Gosto de montar as coisas na robótica, monto robô de lego. O que eu mais gostei foi um morcego que o professor montou com a gente. Ele andava e parecia que ia voar. Gosto de tecnologia”, comenta o menino.

João Isaias da Silva da Luz, 11 anos, gosta das aulas de robótica na Abadeus | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Da Abadeus, uma oportunidade em empresa de tecnologia

Morador do bairro Presidente Vargas em Içara, Marcos Davi Souza Araújo, de 15 anos, começou no curso Ser Empreendedor dos Sonhos, na Abadeus, e viu a vida mudar. Através de um camp no Centro de Inovação da entidade, cinco vagas foram conquistadas pela instituição para o Startup Weekend Criciúma (SW), evento mundial, que ocorreu em abril em Criciúma.

Marcos iniciou no Ser Empreendedor de Sonhos na Abadeus e conseguiu uma oportunidade na Betha através do Startup Weekend | Foto: Edson Padoin/Portal Litoral Sul

Marcos foi um dos que ganharam uma vaga no evento e chamou a atenção. O time que ele fez parte desenvolveu uma ideia de aplicativo para alugar utensílios que as pessoas não utilizam mais.

O adolescente, que está sempre com skate no pé, conseguiu uma entrevista de emprego em uma das grandes empresas de tecnologia do Sul, a Betha. Além disso, no último dia do evento ganhou um skate novo, resultado de uma vaquinha dos participantes do SW.

“Eu comecei no curso de Ser Empreendedor com o professor Daniel. Quando entrei lá foi surpreendente, porque eu pensei que ia ser mais uma aula chata. Só que ele fez a aula ficar muito interativa e bem legal. Uma coisa que ganhei muito foi a responsabilidade que me abriu portas”, afirma Marcos.

Marcos ganhou um skate novo dos participantes do Startup Weekend | Vídeo: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Orgulho para os pais

Ele vive com a mãe Meirilene de Souza Carneiro, que é costureira, e o pai Matusalém Sebastião de Souza, que é tatuador. Para eles, é um orgulho ver o filho iniciando e tendo uma grande oportunidade como essa.

“Eu tinha o mesmo sonho e as oportunidades que não tive, eu desejo para ele. Fico emocionada. Quando ele começou eu vi o entusiasmo dele, que ele estava gostando”, conta a mãe emocionada. “Meu pai sempre me incentivou e quis mostrar para ele que temos que estudar, ir atrás do que queremos, não deixar faltar nada e correr atrás do próprio destino, criar o futuro”, completa Matusalém.

Marcos com os pais Meirilene e Matusalém | Foto: Edson Padoin/Portal Litoral Sul

Eles não escondem a importância da Abadeus nesse processo. “A Abadeus abriu o leque de oportunidades para ele, antes ia para escola e saia para andar de skate com os amigos. Agora ele tem a finalidade de trabalhar, correr atrás das coisas dele. Está muito difícil hoje em dia para conseguir colocar alguma coisa dentro de casa e um filho começar a trabalhar com 15 anos e conseguir conquistar as próprias coisas é muito bom”, destaca Matusalém.

Perfil inovador

Segundo a supervisora de Atração e Retenção da Betha, Juliana Fascin, o jovem chamou a atenção da empresa durante o SW. “Ele chamou a atenção pelo interesse que demonstrava durante o evento que ocorreu na nossa sede. Veio nos procurar perguntando se tinha oportunidade aqui na empresa. Dissemos que tinha, ele perguntou sobre currículo, abrimos o computador na hora e o cadastramos. Marcamos de conversar. Esse é o perfil que procuramos, de jovens interessados, não estamos procurando conhecimento, estamos procurando atitude, interesse. Conhecimento nós ensinamos, mostramos o caminho”, comenta.

Marcos foi contratado para atuar na área de Sucesso do Cliente da Betha. O novo chefe dele e coordenador do setor, Oracídio Júnior, já deu algumas dicas para o adolescente. “Comecei como estagiário também, na escola mesmo, e para o Marcos acho que o principal é estar aberto a apreender, a conhecer coisas novas. Isso que vamos oportunizar para ele. Se estiver aberto para aprender, as oportunidades irão aparecer”, aconselha.

Os quatro alunos da Abadeus que participaram do Startup Weekend se destacaram devido ao trabalho realizado no Centro de Inovação da entidade. “Foram quatro alunos, desses, dois ficaram entre as dez ideias selecionadas para apresentar o pitch, mas muito mais que isso, alunos de 14 a 16 anos que foram destaque, colocaram suas ideias, fizeram atividades práticas e despertaram interesse das empresas em contratá-los. Isso porque eles já chegaram com esse trabalho que estamos fazendo, esse despertar, essa conscientização, essa prática que eles vivenciam no ambiente do Centro de Inovação”, explica o gestor de inovação da Abadeus, Maicon Canever.

Ideias inovadoras no mercado

Dentro da Abadeus, uma grande ideia apresentada nos pitchs dos cursos pode se tornar um negócio para os jovens. Já que o Centro de Inovação Social da entidade, também, é uma pré-incubadora onde será trabalhada toda a parte de planejamento e viabilidade mercadológica da ideia.

“Eles são desafiados a criarem ideias inovadoras para resolver problemas do dia a dia da sociedade. Algumas dessas ideias podem de fato ter aderência boa para o mercado. Quando isso ocorre tem dois caminhos: são pré-incubadas aqui no Centro de Inovação ou são cadastradas em edital ou processo seletivo aberto para impulsionar ideias inovadoras, como o programa Nascer da Fapesc”, explica Maicon.

São duas vezes por semana que as crianças passam o dia na Abadeus e tem aula de robótica | Foto: Lucas Colombo/ Portal Litoral Sul

Ideias como a surgida dentro da disciplina de música, ministrada na entidade. Além da utilização da tecnologia nas aulas, uma peça foi produzida para facilitar a vida dos músicos de instrumentos e sopro.

“Um case muito legal é o protetor de boquilha dos instrumentos de sopro. A boquilha, onde ele assopra, é um equipamento separado, deve ser higienizado e protegido. Porém vem junto a boquilha e o protetor, o protetor é um equipamento frágil que se perdia fácil, com pouca customização, era só preto ou branco, sem individualidade”, lembra o gestor de inovação.

Foi, então, que na Abadeus começou a se pensar em uma solução para isso. “Essa demanda veio para o Centro de Inovação Social para o pessoal da prototipagem desenvolver um protetor de boquilha específica com as característica melhoradas do músico, e mais resistente. Agora ela tem colorações diferentes para respeitar a individualidade. Hoje disponibilizamos para os alunos e deverá ir para o mercado no futuro”, projeta Maicon.

Adaptação dos professores

Para o instrutor do Jovem Aprendiz da Abadeus, Lielson Feltrin Rosa, a adaptação ao novo modelo prezando a inovação dentro da entidade foi tranquila. Ele atua há quatro anos na entidade. “Acho essencial. As pessoas entrando hoje no mercado de trabalho estão precisando explorar melhor essa inovação. Acho que é o conteúdo do momento e eles precisam estar cientes disso, principalmente, dentro das empresas, entender a tecnologia, e a inovação como fonte de construção para uma vida profissional de sucesso”, destaca.

Instrutor Lielson Feltrin comanda o pitch de encerramento do curso Jovem Aprendiz, onde os alunos apresentam as ideias inovadoras | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Esse é o foco da inovação social implantada na Abadeus: oportunizar ao jovem, especialmente, o de baixa renda, uma preparação para o mercado de trabalho ou para empreender. Para que seja um profissional de destaque.

“A principal forma de transformar a vida das pessoas é através da educação. Aqui inicia essa jornada da inovação com alunos de 7, 8 anos na robótica educacional, onde começam a aprender com lego, de uma forma mais lúdica. Aí vai evoluindo para o mais complexo, até trabalhar com a parte da programação, podendo ir para um curso de Linguagem de Programação ou para o Ser Empreendedor dos Sonhos, que é mais voltado para empreendedorismo, liderança, despertar essa possibilidade de serem de fato empreendedores”, exemplifica o gestor de inovação.

Em busca de oportunidade no mercado

Quando chega aos 14 anos, o adolescente pode escolher, também, entrar no programa de Jovem Aprendiz da entidade. Após a contratação, são 20 encontros preparatórios e focados onde ele irá atuar até a entrada na empresa.

“Vão entrar no mercado de trabalho, vão ter acesso, e no Jovem Aprendiz existe um supervisão para isso. Tem essa tutela, tem o olhar de que estão sendo preparados para de fato, ali na frente, serem contratados ou irem para um curso técnico ou faculdade. Aí disponibilizamos algumas bolsas de estudos, temos parceria com a Unesc e o Senac, por exemplo”, diz Maicon.

Segundo ele, entregar uma educação de qualidade para quem não tem acesso é o principal dentro da Abadeus. “Temos projetos com prefeituras e com a iniciativa privada. Inovação social é entregar novas soluções para as comunidades, para pessoas que são mais vulneráveis, que não têm acesso a uma educação de qualidade, saúde de qualidade e vagas de emprego, porque não têm capacitações necessárias. Estamos falando de resolver esses problemas. Então, o Centro de Inovação e a inovação social servem para trazer um novo olhar para os problemas que já existem há muito tempo”, afirma o gestor de inovação.

Maicon Jung Canever é o gestor de Inovação da Abadeus | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Seja no Ser Empreendedor dos Sonhos, que foca na liderança e empreendedorismo, no Jovem Aprendiz, onde o jovem conquista um emprego e passa por capacitação ou no Exploradores para as crianças, o objetivo é o mesmo: levar oportunidades aos jovens através da inovação.

“Percebemos que eles chegam aqui quando adolescentes já não acreditando mais que é possível. E quando trabalhamos com inovação, com adolescentes, trabalhamos a forma, dando oportunidades e ferramentas para eles começarem a acreditar de novo, acreditar que é possível, sim, terem uma estrutura como essa que temos em um bairro de vulnerabilidade social. Que eles podem ter uma boa casa e dar um futuro para a família deles”, finaliza Maicon.

Centro de Inovação Regional em construção

Já está em obras, no Complexo Educacional Nereu Guidi, o Centro de Inovação de Criciúma que atenderá todo o ecossistema da Região Carbonífera. Com a participação de diversas entidades públicas e educacionais, o Centro deve entrar em funcionamento no próximo ano.

Neste sentido, a Abadeus já prepara dois projetos. “Temos dois projetos em parceria com o Sebrae para impulsionar pequenos negócios nas comunidades, aqui no bairro. Então serão mais de 30 negócios que serão impulsionados, acelerados por conta da inovação social da Abadeus. Inovação social é uma solução em frente aos problemas enfrentados há anos, com um olhar mais dedicado para a comunidade que gera um reflexo positivo como um todo ”, reflete Maicon.

Abadeus

A fundação da Associação Beneficente Abadeus iniciou com líderes e amigos da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, de Criciúma, no dia 1º de abril de 1960. Inicialmente a instituição prestava auxílio às famílias dos mineiros que ficaram desempregados devido às ondas de demissões nas mineradoras de carvão de Criciúma.

Atualmente, a instituição é focada no desenvolvimento social da família. Desenvolve, por isso, diversos programas sociais como o Jovem Aprendiz, capacitação profissional, inclusão digital, entre outros. A sede fica localizada no bairro Cristo Redentor. Entre em contato através do telefone: (48) 3462 – 2080 ou clique aqui e conheça o site.

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