Mais uma polêmica em torno do presidente Jair Bolsonaro agitou o país nesta segunda-feira, 29. Desta vez, Bolsonaro atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, ao dizer que pode “contar a verdade” sobre como o pai dele desapareceu na ditadura militar. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, declara o presidente da República.
Felipe é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime militar (1964-1985). Ele foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto. A repercussão da fala do presidente chocou a comunidade brasileira que luta pela busca da verdade no “período de chumbo” da história Nacional.
De acordo com presidente da secção da OAB-Criciúma, Rafael Búrigo, a OAB Nacional emitiu nota de repúdio à declaração de Bolsonaro. “A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais”, diz a nota.
Em nota a OAB apresenta solidariedade as vítimas do regime militar. “Apresentamos nossa solidariedade a todos as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República”. O presidente da OAB nacional deverá procurar o Supremo Tribunal Federal (STF) para exigir que Bolsonaro explique suas declarações e se souber de algo que seja obrigado a revelar.
Ex-presos políticos de Santa Catarina repudiam fala do presidente
O reflexo da declaração do presidente da República em “saber o que aconteceu” com o pai do presidente da OAB nacional criou desconforto e revolta em lideranças de Santa Catarina que foram presas durante o regime militar no Brasil. Esse é o caso do aposentado e ex-secretário municipal de Blumenau, José dos Reis Garcia, de 79 anos. Ele foi preso por quatro anos durante a ditadura. “Fiquei três anos e meio preso em Curitiba e mais seis meses em Blumenau. Também fiquei exilado no Chile”, relembra.
Ele afirma que Bolsonaro, com essa declaração, ultrapassou todos os limites admissíveis. “Esse senhor não se enquadra na sociedade humana. Ele é uma besta”, desabafa Garcia. Atualmente ele mora em Itapema e lembra-se dos vários amigos que morreram ou desapareceram durante do regime. “Fiz parte do Partido Comunista Revolucionário. Tive muitos companheiros mortos e outros tantos desaparecidos. Quem sabe ele saiba onde estão meus amigos?”, questiona.
A criciumense Marlene Soccas, de 84 anos, ex-presa política, diz que Bolsonaro está se condenando com essa declaração. “Ele está ameaçando o presidente da OAB. Como ele sabe do desaparecimento? Como ele tem acesso a essas informações? Ele é tão ignorante que ele mesmo está entregando o ouro. Ele acabou de revelar que ele sabe do sumiço do pai do presidente da OAB. Ele tem que revelar para a justiça. Percebem a gravidade? Ele próprio está se condenando”, destaca Marlene. Ela comenta que o Brasil está hoje nas mãos de nazifascistas. “Com essa declaração ele mostrou seu lado fascista”, desabafa.
Cientista político comenta o caso
Para a cientista político e professora no curso de Direito da Unesc, Janete Trichês, as declarações de Bolsonaro mostram uma ignorância profunda sobre a história brasileira. “É uma ferida muito grande da nossa história e ainda sangra. Muitas famílias ainda não sabem onde estão os corpos dos seus parentes. Ele não pode usar o cargo que ocupa para fazer ironia de algo que provoca tanta dor”, conclui a professora.