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Das cinzas do carvão às pedras de oportunidade

Projeto de pesquisa transforma a cinza da queima do carvão em zeólitas, pedra que poderá ser utilizada em fertilizantes, detergente e na captura de gás carbônico

Com três usinas, sete geradores de energia e uma capacidade total instalada de geração de 857 MW, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda é um propulsor da economia do Sul catarinense. Localizado em Capivari de Baixo, o Complexo transforma a queima do carvão em energia elétrica. Porém diante disso, uma questão surge. O que fazer com as cinzas provenientes da queima?

Atualmente, cerca de 90% dessa cinza é comercializada com indústrias para a produção de cimento. Já o restante é depositado em aterros próximos ao Complexo. São cerca de 80 a 90 mil toneladas mês de cinzas do carvão produzidas na Jorge Lacerda.

“A cinza sempre esteve presente no processo de geração, e sempre acreditamos que ela teria algum uso mais adequado. A possibilidade de ter um produto que traga maior benefício e agregue mais valor, tanto para a sociedade quanto econômico, é muito importante”, destaca o gerente de P&D da Diamente, o engenheiro de utilidades Ariel Cristiano Brambila.

Essa possibilidade de produção de um produto diferenciado é o que está sendo estudado por pesquisadores do Centro Tecnológico Satc (CTSatc). O projeto que visa transformar cinzas de carvão em zeólitas já está em andamento e com os testes laboratoriais bem avançados.

“Estamos na fase de detalhamento do processo, dimensionando equipamentos, contatando fornecedores e contatando também o pessoal que já produz em larga escala esse tipo de material, para entender como escalonar isso”, explica a pesquisadora do CTSatc, a engenheira química Raiane da Cruz. “Essa é a fase de otimização do processo de bancada, para definir quais equipamentos de fato vão entrar nessa planta piloto, que deverá produzir cerca de 300 kg de zeólita por batelada”, completa.

Projeto é desenvolvido no CTSatc | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Você pode estar se perguntando o que é uma Zeólita? Trata-se de um mineral encontrado na natureza, resultado do encontro de lavas vulcânicas com a água. Porém, pode ser produzida de forma sintética. No caso do estudo em questão, por meio das cinzas de carvão e resíduos das indústrias de alumínio, sendo batizada de ‘Zeólita Verde’.

Com alta capacidade de absorção, a pedra funciona como uma espécie de esponja. Foi através desta pesquisa que o CTSatc conquistou a patente verde do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Quer saber como é o processo de produção da Zeólita e a finalidade? Assista o vídeo:

Das cinzas à pedra

Pelo Programa P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Diamante Geração de Energia – proprietária do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda – firmou um contrato com o CTSatc, para o desenvolvimento em larga escala da produção e custeio do projeto, especialmente, da planta piloto.

“Sempre enxergamos potencial nas cinzas para serem transformadas em produtos com valor agregado. A Satc tem vários projetos voltados para isso. Conseguimos viabilizar esse projeto das zeólitas com o objetivo de dar uma utilização mais nobre a cinza do carvão mineral”, comenta Ariel.

A assinatura do contrato ocorreu em junho deste ano. Serão cerca de R$ 5,8 milhões investidos pela Diamante com um prazo de três anos para o término do projeto. A planta piloto que está em desenvolvimento deverá produzir cerca de 300 kg de zeólitas e será instalada na Satc.

“Hoje produzimos em pequena escala. Já fizemos bateladas com 60 litros, o que rende uns 6 kg de produto final. Então é nossa maior escala, mas em escala de gramas fazemos toda semana, é um cotidiano já nosso”, afirma Raiane.

Fertilizantes, detergentes e captura de CO²

Estão sendo estudadas três formas de utilização: a captura de gás carbônico, em fertilizantes e detergentes. Destes, a captura e a utilização no campo estão com os estudos em laboratório mais avançados.

Na questão do fertilizante, a zeólita seria responsável por reter nutrientes como o fósforo e potássio. “O uso em fertilizantes, temos trabalho desenvolvido aqui no CTSatc. A zeólita vem como uma forma de liberação mais lenta desses nutrientes no solo. Hoje o grande problema dos fertilizantes industriais é que precisa ser reposto com muita rapidez. A zeólita vem como uma maneira de retardar a liberação dos nutrientes e favorecer o crescimento das plantas”, explica Raiane.

Teste de zeólitas em fertilizantes está sendo realizado em conteiner que simula as condições do tempo – Foto: Divulgação/Satc

Testes já estão em andamento em um container totalmente equipado para simular diversas situações do tempo. Os pesquisadores inserem o fertilizante com a zeólita e do lado de fora do container colocam as condições que pretendem simular. “Temos uma parceria com a Cooperja e com a Embrapa para que futuramente possamos fazer testes em campo em um hectare de terra”, ressalta.

Detergentes

Quanto a utilização da zeólita verde em detergentes, os testes ainda irão iniciar. Os detergentes são a maior fatia de mercado do mundo para as zeólitas. Uma parceria com a empresa especializada na venda da pedra, a Celta Brasil, foi firmada para o desenvolvimento do produto. A pedra irá substituir o fosfato que agride o meio ambiente.

“A Celta comercializadora de zeólitas naturais no Brasil vem auxiliar na parte do detergente para inserção e escalonamento no mercado”, destaca Raiane.

A engenheira química Raiane da Cruz atua nos dois projetos desenvolvidos no CTSatc – Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

 

Quando duas pesquisas se interligam

Outra proposta para utilização das zeólitas verdes que está avançando é para captura de gás carbônico. Essa captura faz parte de outro projeto de pesquisa desenvolvido pelo CTSatc. Iniciado em meados de 2013, a planta-piloto de captura de CO2 precisa de zeólitas para o funcionamento, já que a pedra, dentro da pesquisa, é utilizada para armazenar o gás.

Atualmente, as pedras utilizadas no processo de captura do CO2 são importadas da China. Porém a intenção é que a zeólita verde desenvolvida na Satc seja utilizada. “Já fizemos testes de bancada comparando essa zeólita que já está dentro da planta com essa que sintetizamos e os resultados foram similares, então não vai ser algo complexo de mudar e ter que mudar todo o processo”, detalha a pesquisadora.

Planta de captura de CO2 está em fase de manutenção – Foto: Divulgação/SATC

O projeto de captura de CO2 está em fase de manutenção da planta piloto, mas já teve grandes avanços. De acordo com Raiane, em um dos testes já se chegou a remoção de 84% do CO2.

“Precisamos otimizar bastante. Temos em média 40 a 55% de captura em todos os testes. Almejamos chegar acima de 90% para que o processo seja viável tecnologicamente e industiralmente”, projeta.

Focada na captura do CO2, a SATC firmou uma parceria com a Universidade de São Paulo (USP). A USP está desenvolvendo estudos para uma utilização do gás carbônico capturado nas zeólitas.

“O projeto está na fase de captura do CO2 e armazenar dentro das zeólitas. Já temos parceria com a USP para fazer a utilização delas, que seria na parte de produção de outros combustíveis ou outras utilizações”, fala a engenheira.

Desta forma, segundo ela, o ciclo de transformação energética estará completo. “É um ciclo. nós geramos a cinza e geramos o CO2. Então pegamos essa cinza, que tem qualidade muito boa, e a transformamos em uma zeólita, um produto que vai capturar o CO2 lá. Então os dois resíduos acabam se complementando e fechando esse ciclo da transição energética que está todo mundo buscando hoje”, finaliza a engenheira.

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