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Covid-19: um mês sem pacientes na UTI do Hospital São José

Ao todo, a UTI do hospital atendeu 844 pacientes, sendo 351 mulheres e 493 homens

Depois de dois anos de pandemia, os catarinenses voltaram a ter, praticamente, uma vida normal. O uso de máscaras deixou de ser obrigatório e a população retornou à realidade de fevereiro de 2020, um mês antes do lockdown instaurando em diversos estados. A volta ao cotidiano aconteceu graças à alta porcentagem de vacinação em Santa Catarina e ao baixo número de pacientes nos hospitais com a doença.

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Em Criciúma, o dia 23 de março de 2022 ficará marcado na história. A data será lembrada como o primeiro dia sem pacientes com Covid-19 internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São José (HSJ). Ao todo, a UTI do hospital atendeu 844 pacientes, sendo 351 mulheres e 493 homens. Neste sábado, dia 23, faz exatamente um mês que o hospital está sem pacientes nessa ala.

O início da trajetória de combate ao vírus foi de incertezas e medo. “Começamos a nos preparar quando iniciaram as notícias na China em dezembro de 2019. Não demorou mais que três meses para chegar aqui. No início de fevereiro fizemos um encontro com os colaboradores para orientar sobre o vírus. Todos estavam ansiosos e amedrontados. Por isso fizemos um trabalho para diminuir essa ansiedade e realizamos diversos treinamentos”, explica a diretora geral do HSJ, Irmã Isolene Lofi.

A partir do dia 26 de fevereiro de 2020, data do primeiro caso da doença registrado no país, a direção do hospital tomou diversas atitudes para se preparar para o ainda desconhecido coronavírus. “No início pensávamos que duraria em torno de três a quatro meses. Criamos dois hospitais em uma única estrutura: um de Covid e outro para atender as demais demandas. Eram fluxos e corredores separados. Naquele primeiro momento não tínhamos ideia da dimensão e do tempo, mas parecia ser algo temporário”, destaca o diretor técnico do HSJ, Dr. Raphael Elias Farias.

Além de diretor do hospital, Farias é infectologista e nunca pensou que iria ter que enfrentar uma pandemia. “Como infectologista eu nunca imaginei passar por isso. Foi algo novo que mostrou que surtos e pandemias podem se tornar uma realidade”, conta.

Combate ao vírus e as Fake News

Além da Covid-19, cientistas e médicos precisaram lidar com outro fator: as notícias falsas. Em diversos momentos da história, mentiras se propagaram e foram vistas como verdade pela sociedade apenas por serem compartilhadas. No início do século 20, no episódio conhecido como Revolta da Vacina, dezenas de pessoas morreram em consequência de um confronto que teve como base a propagação de notícias falsas de que as vacinas causavam mal às pessoas.

Durante o período de pandemia, teorias sem comprovação científica em relação às vacinas, tratamentos e o próprio vírus foram divulgadas e compartilhadas nas redes sociais. “Tivemos um aprendizado negativo que foram as notícias falsas. Além de lutar contra a pandemia, tivemos que lutar contra as pessoas que não estavam de acordo com o que a ciência dizia. As Fake News foram um desserviço para a população e atrapalharam o convívio social. O tratamento precoce não existia. Hoje existem algumas drogas que podem ter uma eficácia, mas que não são as mesmas que foram pregadas na época”, ressalta o médico Raphael Farias.

Trabalho exaustivo

Os dois anos com pacientes na UTI não foram fáceis para os profissionais do Hospital São José. Mesmo dobrando a capacidade de leitos, a espera era algo que acontecia. “Tivemos pacientes esperando leitos de UTI, mas todos foram atendidos. Sempre tivemos medicamentos e insumos para os colaboradores trabalharem com segurança. Foi um desafio. Como gestora eu temia pela falta de medicamento”, salienta a Irmã Isolene.

Dr. Felipe trabalhou os dois anos de pandemia no HSJ – Foto: Edson Padoin/Portal Litoral Sul

Quem viveu de perto isso foi o médico intensivista Dr. Felipe Dal Pizoll. Com mais de 20 anos trabalhando em UTIs, Dall Pizoll explica como foi o período de mais de 700 dias com pacientes graves. “A epidemia do H1N1 não foi nem perto o que passamos nesses dois anos. A gente tinha em média dez pacientes em estado gravíssimo. Por isso, toda equipe de cuidado foi sobrecarregada, tanto no ponto de vista da quantidade de trabalho quanto no ponto de vista emocional. Muitas vezes a gente via a família inteira internada. Foi um período muito difícil para todos, mas por outro lado, gratificante por ter ajudado muitas pessoas”.

Serviço humanizado para seres humanos

Apesar da exaustão, a humanização do trabalho foi algo no qual o hospital se dedicou. “Sempre tratamos os pacientes com humanização. Os médicos e enfermeiros ligavam diariamente para os familiares de pessoas internadas para relatar qual era a situação. Qualquer paciente que saía de alta e reencontrava os familiares… isso era o que dava impulso para continuar”, ressalta Farias.

Além dos corredores de aplausos, ligações e cantorias, o hospital se apegou a mais um detalhe: a fé em dias melhores. “Diariamente nós fazíamos orações pelos doentes, famílias e colaboradores. Isso nos fortaleceu e me fortaleceu para enfrentar a pandemia”, conta a diretora geral.

23 de março de 2022

O fechamento da porta da Unidade de Terapia Intensiva, exclusiva para leitos de Covid-19, ficará marcada na memória de todos que trabalharam no local. Atualmente, o local voltou a ser uma UTI para todos que necessitarem. “É um sentimento de dever cumprido. Infelizmente a doença vai continuar, mas foi um ciclo que se encerrou. Com tantas vidas que nós salvamos, foi uma sensação de alívio e de agradecimento a toda equipe do hospital”, destaca o diretor técnico.

Espaço voltou a ser uma UTI para pacientes gerais – Foto: Edson Padoin/Portal Litoral Sul

“Foi uma emoção muito grande e esperamos continuar assim. Aquilo foi um filme que passou e olhar aquela porta fechando foi um sinal de que havíamos vencido. Por outro lado, uma gratidão muito grande por estarmos aqui e poder vivenciar esse momento”, diz a Irmã Isolene Lofi.

30 dias que não existiram

Uma das pacientes que passou pelo hospital durante a pandemia foi Kely Pianezzer Américo. Ela entrou no São José no dia 7 de abril de 2021 e só saiu 41 dias depois. Apesar disso, no início ela não esperava que iria ficar muito ruim. “Comecei a ficar cada vez pior. No primeiro momento fui para o pronto socorro e meu pulmão estava limpo, dois dias depois fui desmaiada e já me internaram”, explica.

A partir desse momento, Kely conta que não se lembra de mais nada. De acordo com o esposo Hedilberto Caetano Américo, a ressonância feita apontou que ela estava com 85% do pulmão afetado pelo vírus. “Foi terrível. Antes de ela ir para UTI eu tive que ficar internado junto com ela para dar apoio. Era agoniante porque dava pra ver que ela não conseguia respirar, mesmo com a máscara de oxigênio”, conta Américo.

Após a esposa entrar para a UTI, Hedilberto podia fazer apenas uma visita por semana, mas recebia ligações do hospital todos os dias para informar a situação da paciente. “Era apreensivo. Já passa um monte de coisa na cabeça, porque pelo o que a gente ouvia era que quando intubasse era praticamente uma sentença de morte. Ver ela cheia de tubo, de barriga pra baixo e cheia de fio, eu acabava me sentindo impotente”, ressalta.

Quase um mês depois de entrada na UTI, Kely começou a reagir e a cada ligação feita pelo hospital para o marido era uma notícia melhor que a outra. Mãe de três filhos, Kely recorda até hoje qual foi a primeira pergunta que fez para Hedilberto. “Eu dormi em abril e acordei em maio. Quando eu acordei eu não sabia o que estava acontecendo. O Beto começou a me explicar e eu só chorava. A primeira coisa que eu perguntei foi sobre os meus filhos”, conta emocionada.

Amor do casal foi combustível para Kely vencer o vírus – Foto: Gregori Flauzino/Portal Litoral Sul

Ao total, Kely ficou 41 dias no Hospital São José. Um tempo que, pra ela, foi como se os dias não existissem. “Não me lembro de absolutamente nada. Eu vi que eu acordei quando eu saí da porta da UTI. Queria muito agradecer a equipe do Hospital São José que cuidou muito bem de mim e fez de tudo para me manter viva”.

Apesar de vencer a Covid-19, a doença deixou sequelas que precisam ser tratadas quase que diariamente. “Tive que fazer reabilitação pulmonar e até hoje tenho acompanhamento médico. Fiquei com o colesterol alto e pré-diabética”, destaca. Hoje, Kely, Hedilberto e os três filhos vivem um dia após o outro, buscando aproveitar cada um deles ao máximo.


Reportagem: Edson Padoin

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