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Coluna Pelo Estado entrevista presidente do Conselho Regional de Medicina

Eduardo Porto Ribeiro deixa em outubro a cadeira de Presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-SC), entidade que reúne e representa mais de 22 mil profissionais.

Depois de 18 meses à frente da autarquia, ele destaca a excelência do médico catarinense e avalia a necessidade de ações estruturais que valorizem a categoria e garantam condições adequadas de trabalho. “Preservar e estimular a qualidade da medicina é essencial para promover a saúde e o bem-estar da população”, disse ele na conversa com a coluna Pelo Estado.

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Eduardo Porto – A espera por cirurgias é uma situação bastante grave, que mereceu muita atenção do Conselho. Nos últimos anos estivemos algumas vezes em contato com diferentes Secretários de Estado da Saúde – e em diversas ocasiões esse assunto foi debatido. O paciente que tem indicação de procedimento cirúrgico e é obrigado a esperar pode apresentar complicações. Um caso relativamente simples, como uma cólica renal, com o tempo pode progredir para perda do rim ou grave infecção, por exemplo. Isso sem falar dos casos de câncer, na imensa maioria das vezes tempo sensíveis.

O esforço para zerar a fila é necessário e emergencial. Mas em paralelo há que se trabalhar de forma planejada, com foco no longo prazo, para garantir a ampliação da infraestrutura de atendimento, o que pode evitar que ocorram novos acúmulos de pacientes na fila. Isso passa pela oferta de estrutura em todas as regiões e, principalmente, pelo estabelecimento de políticas públicas que garantam a presença do médico.

PE – Mas um problema básico pode impedir o sucesso de qualquer política de descentralização dos serviços. Não há escassez de médicos em Santa Catarina?

EP – De forma alguma! Santa Catarina tem número suficiente de médicos para atender toda a população – e em todas as localidades. Dados da Demografia Médica, levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina, mostram que há 2,5 médicos para cada grupo de mil habitantes em cidades do interior do estado. Esse índice é similar à proporção de países avançados, como Canadá e Japão. Em Florianópolis, a relação é de 10,7 médicos por mil moradores.

Políticas públicas são essenciais para fazer com que parte desses profissionais siga para o interior. O CRM-SC, o Simesc, a ACM, o Simersul e a ACAMESC, reunidas no Conselho Superior das Entidades Médicas (COSEMESC), há anos defendem a necessidade de criação de uma carreira de estado para o médico. O profissional deve ter boas condições para atuar, segurança trabalhista e remuneração adequada para seguir para o interior. Temos médicos de excelente qualidade para atender a toda a população – desde que sejam dadas as condições adequadas.

O inaceitável é usar uma informação errada – uma hipotética escassez de médicos – como base para políticas bastante equivocadas. A proposta da nova versão do programa Mais Médicos é absolutamente inadequada.

PE – Qual o problema do Mais Médicos? Aumentar a oferta de atendimento não é fundamental?

EP – Ninguém em sã consciência pode ser contrário à ampliação do atendimento em saúde. Mas a forma como se pretende fazer isso é desastrosa. O Senado aprovou a retomada do Mais Médicos com a possibilidade de dispensa, por quatro anos, da revalidação de diploma de estrangeiros. Isso significa que o cidadão brasileiro poderá ser atendido por profissional “intercambista” que não teve seus conhecimentos técnicos avaliados e comprovados.

Não é difícil imaginar o resultado. Muito em breve, teremos duas classes distintas: de um lado, aqueles que seguem atendidos por médicos que têm sua qualificação acompanhada e sua atuação fiscalizada. De outro, menos privilegiado, cidadãos que terão que apostar na sorte.

PE – Outra questão controversa na medicina é a ampliação do número de cursos e vagas no ensino superior. A situação ideal não é a de “quanto mais médicos, melhor”?

EP – Medicina está entre os cursos mais caros e mais rentáveis do ensino superior no País e o aumento no número de cursos e vagas oferecidos ocorre principalmente nas universidades privadas. O que se vê é uma questão basicamente mercantilista.

A possibilidade de que novos profissionais sejam formados sem a atenção adequada à qualidade (o que inclui aulas teóricas e práticas e também o exercício da medicina sob supervisão próxima de professores e médicos experientes) coloca em risco a saúde da população.

Duas portarias do Ministério da Educação 2/2013 e 13/2013 condicionavam a abertura de escolas médicas a critérios mínimos defendidos pelo CFM como necessários para garantir que não ocorram problemas no processo ensino-aprendizagem: oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no município sede de curso; acompanhamento de cada equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) por no máximo três alunos de graduação, e presença de hospital com mais de cem leitos exclusivos para o curso. Infelizmente, esses critérios foram flexibilizados por meio da Portaria 5/2015. Quem mais vai sofrer com isso é a população.

PE – Como foi a experiência de presidir o CRM-SC?

EP – Foi bastante desafiadora. Assumi o cargo em fevereiro de 2022 e pude ver como o período da pandemia foi difícil e traumático para os profissionais, que se expuseram a riscos enormes para atender seus pacientes. Esse era um momento excepcional. Mas a realidade é que o dia a dia do médico é cheio de desafios. Com apoio do Sebrae, fizemos uma pesquisa com mais de mil profissionais no final de 2022 e os resultados foram preocupantes. Quase dois terços dos entrevistados (60,7%) concordaram total ou parcialmente com a afirmação “me sinto a cada dia mais estressado com meu trabalho”. Mais da metade 54,6% informaram que cumprem jornada de trabalho de mais de 41 horas semanais. A população precisa saber dessa realidade e ter em mente que o médico catarinense é um abnegado, que trabalha com alto grau de excelência apesar dos obstáculos que enfrenta.

O CRM-SC buscou apoiar o médico. Desenvolvemos campanha e ações de valorização do trabalho médico, digitalizamos nossos serviços, o que gera comodidade para o profissional e agiliza o atendimento às demandas, criamos um Portal do Conhecimento, com oferta gratuita de conteúdos científicos de grande relevância, e alertamos para problemas de infraestrutura que dificultam a prática da boa medicina. Ao mesmo tempo, ampliamos o trabalho de fiscalização, atuamos em parceria com órgãos como o Ministério Público e polícia civil, em temas como a prática ilegal da medicina, e buscamos estar mais perto da sociedade. Preservar e estimular a qualidade da medicina é essencial para promover a saúde e o bem-estar da população.

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