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Cabo Premoli e cão Bono, o “cãopanheirismo” que salva vidas

Dupla atuou por uma semana nas buscas por vítimas do temporal que devastou Petrópolis, no Rio de Janeiro

“Bem chocante”, é assim que o cabo Matheus Premoli, do Corpo de Bombeiros de Araranguá, descreve o cenário encontrado em Petrópolis no Rio de Janeiro. Ele e seu fiel parceiro, o cão Bono, ficaram uma semana na cidade carioca realizando buscas às vítimas que ainda seguiam desaparecidas depois de uma forte chuva que devastou o município dia 15 de fevereiro.

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“É uma comunidade bastante carente. Muita casa em cima de morro. Quando cheguei lá, a primeira vista que tive foi do rio com bastante ponte caída, estradas e bastante coisas caseiras dentro do rio. Tinha roupa, tinha bolsa, geladeira, bastante comida e isso é uma das coisas que tira atenção do cão”, relembra o cabo.

O pior cenário encontrado, para ele, foi no Morro da Oficina, onde ocorreu um deslizamento e foi registrado a maioria das 233 mortes ocorridas na cidade. “Tinham carros, pedaços de casa, roupas, colchões. E os familiares ali, em volta da gente, falando: ‘ aqui morava minha mãe’. Uma das vítimas que estava desaparecida, o irmão dela estava ali com a gente e vinha direto nos cachorros pedindo para que a encontrassem. Eles faziam orações para os cães. Eles confiam bastante em nosso trabalho. Aquilo ali é bem chocante mesmo”, conta Premoli.

Único cão bombeiro do Sul catarinense, Bono nasceu no Rio de Janeiro. De uma linhagem de cães de busca, Premoli não imaginava que a primeira grande missão da dupla seria em terras cariocas. “Após o desastre de Petrópolis, a coordenadoria já vinha informando que talvez seríamos deslocados para lá. Todos os cães de Santa Catarina. Temos 12 cães no Estado certificados e todos foram convocados. Nosso Estado é referência no Brasil quanto a esse serviço de cães de busca”, explica.

Viagem de avião

Bono e seu parceiro Cabo Premoli fizeram parte da segunda equipe de buscas enviada pelo Corpo de Bombeiros de Santa Catarina a Petrópolis. O Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, que coordena os trabalhos de busca das vítimas, pediu reforço para corporações de diversos estados. Eles viajaram até a cidade com o avião Arcanjo II dos Bombeiros catarinenses

“A primeira equipe foi logo na primeira semana e nós fomos na segunda equipe. Quando chegamos lá, fomos para o quartel de Petrópolis, onde o comandante das operações foi reportar como seria e as áreas que tínhamos que trabalhar. No primeiro dia atuamos no rio, onde submergiu dois ônibus. Trabalhamos um dia inteiro, varrendo uma grande área”, recorda o cabo.

Haviam cinco vítimas ainda desaparecidas, quando eles chegaram na cidade carioca. Três eram do ônibus que havia submergido e as outras duas eram mãe e filha. O trabalho de Bono e Premoli consistiu em descartar áreas de busca. O que demonstra a confiança em Bono e em todo o trabalho de adestramento e preparação do labrador.

“Tu chegar para o teu comandante e falar que ali não tem ninguém, é tão difícil quanto tu encontrar alguém. Isso mostra que nosso trabalho dá resultado. Os cães são muito eficientes e tu tem que ter confiança no cachorro para poder mostrar para alguém que lá não foi encontrado vítimas, fazer esse descarte de área é muito difícil”, comenta o Cabo.

A dupla viajou para Petrópolis dia 27 de fevereiro e retornou no último sábado, dia 5, para Araranguá. Durante a estadia na cidade carioca, das cinco vítimas desaparecidas, a mãe e o filho foram encontradas. “A mãe foi encontrada pelas máquinas e o filho depois fizemos todo um descarte de área mostrando para os comandantes que ele não estava lá e realmente foi encontrado em outra área depois”, relembra Premoli. Das 233 vítimas, 60% foram encontradas por cães na cidade carioca.

Assista a entrevista completa:

Veja fotos de Premoli e Bono nas buscas em Petrópolis:

Um cão brincalhão, mas focado no trabalho

Antes de entrar nas ‘zonas quentes’, como chamam os Bombeiros, Premoli realiza a ação de ‘ligar’ Bono. “Ligar o cão é mostrar para ele: ‘ Oh cara, agora vamos trabalhar, parou a brincadeira’. Eu não sei se é coisa só minha, mas muita gente já me falou, que quando estamos em um ambiente sério ele fica muito tranquilo. Parece que ele está assim ‘Agora eu tenho que ir lá e mostrar o que eu tenho que fazer’ e quando está em um ambiente descontraído quer toda vida brincar e pular”, conta.

A certificação nacional que possibilitou que Bono e Premoli atuassem em buscas foi conquistada em agosto do ano passado. Desde então, eles haviam atuado em uma ocorrência em Schroeder, dando apoio ao 7º Batalhão de Itajaí e em Balneário Rincão.

“Foi no meio das férias, aqui em Balneário Rincão, um idoso desaparecido e infelizmente foi encontrado depois já sem vida. Essa em Petrópolis foi a primeira que participamos a nível nacional. Foi a primeira de grande vulto”, diz Premoli.

Premoli destaca que Bono é brincalhão, mas na hora do trabalho é muito focado | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Logo na chegada, Bono foi colocado à prova e mostrou que quando estava ‘ligado’, não deixava nada tirar a atenção. “Ele gosta muito de nadar e quando fiquei sabendo que íamos atuar primeiramente no rio, já pensei: ‘pronto, acho que não vai ser um trabalho legal’. Particularmente porque ele poderia se desligar da parte da busca e ficar nadando. Só que foi diferente, eu vi que mesmo ele estando na água ele estava cumprindo o trabalho dele. Ele estava farejando, ele estava procurando. Cada entulho que encontrávamos ele ia tranquilo, cheirava, até dentro da água ele nadando, fazia uma varredura”, fala Premoli.

Como a atuação de Bono era de descarte de área, uma das dificuldades era mantê-lo sem se frustrar. Já que nos treinamentos ele é acostumado a encontrar algo e ganhar um ‘reforço positivo’, que é um carinho ou brincar com a bola.

“Quando terminávamos as buscas eu sempre buscava fazer esse reforço com muito carinho ou com retriever, jogando a bolinha para ele ir buscar”, conta. “Acordávamos todos os dias 5h ou 6h da manhã íamos para área designada, conversávamos com as equipes noturnas que estavam saindo e iniciávamos os trabalhos até por volta das 15h, quando entrava outra equipe”, completa.

Amor de pai e filho

O cabo Premoli fez o curso de Cinotecnia, para atuar com cães, em 2018. Depois realizou um estágio obrigatório. Até que em agosto de 2019, ele recebeu o Bono. “Eu recebi ele em setembro e ele nasceu em julho. Desde então começamos os treinamentos para as provas de certificação, até que em agosto de 2021 passamos em dois tipos de prova para pessoas vivas desaparecidas e já em óbito”, enumera Premoli.

Cuidando de Bono desde que o labrador era bebê, os laços entre Premoli e Bono vão muito além da ‘farda’. “Ele é como um filho para mim”, exalta. Bono vive com o cabo. “Os cães moram com os condutores e quando se aposentarem vão continuar nas nossas casas. Na minha casa tenho o Bono e tem mais dois cães, um Chow Chow, a Mel de 14 anos e tenho outro labrador, o Thor, de quatro anos. Eles se dão muito bem, eu deixo eles juntos para não incomodar a ‘velhinha’”, brinca o cabo.

Como um filho, é assim que o Cabo Premoli vê o cão Bono | Foto: Lucas Colombo/Portal Litoral Sul

Linhagem

As buscas estão no sangue de Bono. Vindo de uma família militar, a mãe de Bono, a cadela Lua, faz parte do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Já o pai dele é um labrador que atua na Polícia Militar carioca. Além disso, os avós de Bono, Ice e Malu, são cães que já atuaram nos Bombeiros de Santa Catarina e estão aposentados.

“Bono nasceu no Rio de Janeiro, em uma ninhada de nove filhotes e como a mãe dele foi doada daqui para lá, eles fizeram essa doação. Dos dois labradores de chocolate que nasceram eu recebi um, que foi o Bono e o outro ficou com um amigo nosso, o cabo Galdino no Rio de Janeiro”, conta Premoli.

Em Petrópolis, houve o reencontro dos irmãos. “Encontramos eles trabalhando em Petrópolis, batemos foto juntos porque eram os dois chocolates da ninhada, dois muito parecidos, se soltasse lá eu não ia conseguir descobrir quem era o Bono”, brinca Premoli.

Bono, também, tem parentes em Araranguá. A tia-avó dele, Mel, já aposentada, formava um binômio com o Sargento Rodrigo Bonaldo Rafael, também na 3ª Companhia de Corpo de Bombeiros de Araranguá. A dupla atuou em várias ocorrências, como o desastre do rompimento da barragem em Mariana (MG).

Veja mais fotos da dupla:

 

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