A mulher que sobreviveu a três naufrágios, incluindo o Titanic
Você consegue imaginar as probabilidades de estar em três das maiores catástrofes náuticas da história e conseguir sobreviver a estes eventos e ainda assim seguir navegando? Parece remota esta possibilidade de alguém sair ilesa, não é mesmo? Mas Violet Jessop conseguiu e, por isso, ganhou o apelido de “Senhorita Inafundável” no início do século 20.
Desde o primeiro momento em que chegou ao mundo, a comissária de navio e enfermeira Violet Constance Jessop, uma Argentina, se mostrou uma verdadeira sobrevivente, praticamente um desafio contra a morte.
Violet foi tripulante de três das maiores embarcações das primeiras décadas de 1900 quando os navios sofreram acidentes – alguns trágicos. Trabalhava como camareira ou enfermeira no naufrágio dos navios da maior, mais moderna e luxuosa frota da época: o Olympic, o Titanic e o Britannic.
Nascida em 2 de outubro de 1887, na Bahía Blanca, uma cidade da Argentina, na província de Buenos Aires, a jovem alcançou notoriedade por ter sobrevivido a três naufrágios em 1911, 1912 e 1916, respectivamente.
Era filha de William e Katherine Jessop, imigrantes irlandeses, que haviam saído de Dublin e emigrado para a Argentina na década de 1880 para tentar a sorte na criação de gado ovino. Violet era a mais velha de nove filhos, tendo três morrido ao nascer. Violet contraiu tuberculose ainda muito jovem, e fez com que a família inteira mudasse para a província de Mendoza, no Oeste, sobre a cordilheira dos Andes, para que o clima ajudasse na recuperação dela.
A garota desafiou todos os diagnósticos médicos fatais e se manteve viva no pior cenário da doença, pois apesar das previsões dos médicos que apontavam que a criança só teria alguns meses de vida, sobreviveu à doença, algo considerado milagroso na época.
Violet não teve uma infância exatamente especial. Nada aconteceu até que atingisse 16 anos de idade, quando a morte passou por ela e alcançou o pai, um criador de ovelhas e agricultor. Com o falecimento de William, a família decidiu se mudar para a Inglaterra, e sua mãe de repente se viu tendo que tomar as rédeas do lar.
Foi nessa época que Violet entrou para uma escola do convento e passou a cuidar de seus irmãos mais novos enquanto a mãe trabalhava como comissária de bordo na companhia marítima The Royal Mail Line. Em 5 anos, a saúde de Katherine acabou se deteriorando com tantas viagens e ela morreu logo depois de ficar acamada. Foi assim que Violet decidiu largar tudo para seguir os mesmos passos.
Entretanto, ela começou a enfrentar os primeiros problemas logo no início. Com apenas 21 anos de idade, era muito difícil que as companhias marítimas contratassem jovens como ela, pois consideravam que, por serem bonitas e atraentes, poderiam causar confusão com os homens casados. Os empregadores também a enxergavam como uma distração para os tripulantes, por isso priorizavam que as vagas fossem destinadas apenas às mulheres de meia-idade.
Nesse contexto arbitrário e machista, Violet só conseguiu um emprego na The Royal Mail Line após muita insistência. Para isso, ela concordou em usar apenas roupas velhas e nunca passar maquiagem, tudo para não despertar a atenção de algum passageiro ou tripulante. Violet precisava ser invisível. Em meados de 1908, ela começou a trabalhar a bordo do navio Orinoco.
Foi assim que começou a relação dela com os barcos.
Primeira naufrágio
A história reservaria a Violet uma conexão muito particular com três navios específicos: as estrelas da companhia de navegação White Star Line. Os navios Olympic, Titanic e o Britannic eram três “barcos irmãos” da classe Olympic, criados quase da mesma forma. E o destino dos três também seria muito parecido – e infeliz.
A White Star Line foi a companhia de transporte marítimo britânica mais famosa da história e responsável por produzir transatlânticos de alto luxo. Fundada em 1845, a empresa foi a pioneira na criação de navios maiores, mais confortáveis e mais rápidos, sempre visando a maneiras de inovação ainda mais inusitadas para aquele período. Oceanic e Celtic foram os primeiros navios a quebrarem recordes de comprimento e peso que tinham sido estabelecidos há 5 décadas pelo Great Eastern.
No fim de 1885, encorajada pelo ótimo desempenho e repercussão que o Oceanic causou, a White Star Line encomendou três navios da Harland & Wolff. O trio de luxo recebeu o nome Transatlânticos de Classe Olympic, construídos entre 1908 e 1914.
Após 2 anos na The Royal Mail Line, Violet conseguiu um empego na White Star Line em 1910. Inicialmente foi colocada a bordo do Majestic, e transferida para atuar a bordo do moderno e opulento navio Olympic, o primeiro da nova classe de transatlânticos, com grande pompa como o maior barco da sua época – ele tinha 30 metros a mais que os rivais próximos. Em 20 de setembro de 1911, a embarcação partiu do porto de Southampton para a sua quinta viagem. Assim que entrou no Estreito de Solent, na Ilha de Wight, ficou lado a lado com o cruzador HMS Hawke, se chocando contra o navio de guerra da Marinha Real Britânica.
O Olympic fez uma curva para estibordo, pegando de surpresa o capitão do HMS Hawke que não conseguiu desviar a tempo. A proa do cruzador, que era equipada para afundar outros navios, colidiu contra a popa do Olympic e abriu dois buracos enormes no casco, causando imediatamente a inundação de dois compartimentos e destruindo um dos eixos das hélices.
Felizmente, não houve feridos e o Olympic conseguiu retornar ao porto de Southampton. Violet testemunhou todo o desespero dos passageiros e acreditou que seria o seu fim. Mas a mulher escapou, e seguiu fazendo viagens marítimas, e se envolvendo em mais naufrágios.
Segundo naufrágio
Apesar do incidente com o Olympic, nada fez com que Violet desistisse, e ela continuou trabalhando em navios até ouvir que a White Star Line estava prestes a lançar o segundo transatlântico de luxo da classe. Com uma campanha de marketing para combater a vergonha nacional que o Olympic tinha sido, o Titanic foi divulgado como o “navio mais seguro do mundo” ou, melhor, “o navio inafundável”.
Em 5 de abril de 1912, Violet estava com 24 anos quando recebeu a notícia de que tinha sido convidada para trabalhar como comissária de bordo no gigante Titanic. Apesar de se sentir realizada trabalhando no Olympic, e não ter intenção nenhuma em trabalhar no Titanic, seus amigos acharam que seria uma ótima experiência, por isso Violet seguiu os seus conselhos e subiu a bordo do Titanic como hospedeira de bordo na manhã do dia 10 de abril. A jovem passou a ser uma de somente 23 mulheres que integravam a tripulação da trágica viagem inaugural do Titanic. Na madrugada de 14 de abril de 1912, ela estava lá quando o iceberg rasgou o casco da embarcação e deu início ao processo de naufrágio que sepultou a vida de 1,5 mil pessoas.
Enquanto o desespero tomava conta do Titanic tão rápido quanto a água, Violet foi obrigada por um oficial a subir para o convés e orientar as pessoas que não falavam inglês sobre o que precisavam fazer. Por volta das 2h daquela fria e horrível madrugada, ela foi colocada no bote salva-vidas número 16 para mostrar às mulheres que era seguro, e quase se envolveu em um acidente enquanto descia pela lateral do navio.
No desespero, ela lembra de alguém lhe entregar um bebê, que segurou contra o colete salva vidas de cortiça por horas para evitar que morresse congelado. Na manhã seguinte, quando foram resgatados pelo RMS Carpathia, uma mulher que ela acreditou ser a mãe da criança, simplesmente arrancou o bebê dos seus braços e fugiu. Violet Jessop e outros 704 sobreviventes foram levados à Nova York, nos Estados Unidos. Ela tinha escapado da morte mais uma vez, e assistido a uma das maiores tragédias marítimas da história.
Terceiro naufrágio
O dia em que o Titanic afundou ficou gravado nas memórias de Violet, como afirma em seu caderno de memórias, que depois foi publicado como livro, Titanic Survivor (“Sobrevivente do Titanic”, em tradução livre), porém isso também não fez com que ela parasse. Ela amava estar no mar e medo nenhum tiraria isso dela.
A conexão dela com o terceiro “barco irmão” da classe Olympic, o Britannic – que começou a navegar em 1914 – chegou com a Primeira Guerra Mundial. O mais jovem dos cruzeiros, que assim como seus semelhantes havia sido criado com a intenção de unir a Europa com os Estados Unidos, nunca chegou a cruzar o Atlântico.
O governo britânico o transformou em um navio hospital e Violet se juntou aos tripulantes – dessa vez como enfermeira da Cruz Vermelha Britânica a bordo do HMHS Britannic, o terceiro da classe de luxo da White Star Line. O navio foi confeccionado para ser tudo o que os dois irmãos, Olympic e Titanic, não tinham sido em conforto e, principalmente, segurança.
Com destino final em Mudros, na Grécia, Violet embarcou na sexta viagem do Britannic em 12 de novembro de 1916. Por volta das 08h12 de 21 de novembro de 1916, enquanto navegava entre as ilhas de Kea e Makronisos, o Britannic sofreu uma explosão que abriu um buraco gigantesco no lado estibordo do casco.
A imprensa britânica da época relatou que o barco havia sido alcançado por torpedos alemães, mas muito afirmam que a embarcação teria batido contra uma mina.
Toda a equipe hospitalar estava reunida na sala de jantar tomando o café da manhã quando ouviu o estouro e sentiu o tremor violento. Muito diferente do que aconteceu com o Titanic, Violet confessou que daquela vez a tripulação entendeu, no mesmo momento, que afundaria.
Em poucos minutos, a enorme embarcação começou a adernar para estibordo com os compartimentos 4 e 5 completamente inundados com mais de 10 mil toneladas de água. Levou 1 hora para que a mesma quantidade tomasse conta dos compartimentos do Titanic; o Britannic levou 57 minutos para afundar completamente — apesar disso, apenas 30 pessoas morreram entre as 1.125 a bordo. O desastre só não foi maior porque o barco estava indo em busca de feridos e ainda não transportava vítimas.
Desta vez, Jessop não conseguiu escapar em um bote salva-vidas, já que o seu e o de outros foram sugados pelas hélices do barco. Ao tentar se lançar ao mar, ela bateu a cabeça, mas foi resgatada. Ela atribui o milagre à abundante cabeleira de cor castanha, porque a tiraram da água a içando pelos cabelos.
Violet Jessop sobreviveu mais essa para contar história.
“Senhorita inafundável”
Mesmo após tanta sorte e praticamente renascer a todos esses acidentes, Violet não parou de trabalhar em navios. Antes de se aposentar, ela trabalhou ainda mais uma vez no Olympic, que depois do primeiro incidente não voltou a sofrer problemas graves e foi o único dos três irmãos que não terminou embaixo do mar. Em 1926, ela mudou de navio e trabalhou para a Red Star Line, voltando alguns anos depois ao primeiro lugar de trabalho: a Royal Mail Line.
Em 1945, após o final da Segunda Guerra Mundial, ela deixou os barcos por uma vaga como secretária. Mas, em 1948, com 61 anos de idade, voltou a navegar por mais dois anos até se aposentar, em 1950 e ir morar numa casa de campo em Great Ashfield, uma cidadezinha na Inglaterra, e finalmente um descanso após 42 anos de relação com o mar. Apesar de suas experiências a bordo do Olympic e do Britannic, o Titanic foi de longe o maior acontecimento da sua vida e carreira. Ela deixa isso bem claro no livro dedicado à catástrofe, falando dos detalhes, além do conhecimento público e como tudo isso impactou em sua psicologia de vida.
No filme A Night to Remember, lançado em 1958, o passo a passo da mulher naquela noite aparece no fundo durante as cenas dos botes. Em 1997, ela foi representada na adaptação cinematográfica de James Cameron, Titanic, em uma personagem chamada Lucy. Em 1998, depois do sucesso do filme ‘Titanic’, os sobrinhos de Violet decidiram publicar suas memórias sobre os acidentes.
Embora tenha se casado aos 40 anos com um marinheiro na década de 20, a relação durou pouco, e desse casamento desastroso ela não teve filhos. Violet Jessop viveu até 1971, quando uma insuficiência cardíaca conseguiu aquilo que três desastres em alto mar não conseguiram, tirar a vida dela no dia 5 de maio.
Vivendo longos 84 anos, Violet conseguiu acumular viagens fascinantes com momentos desesperadores, algo que poucas pessoas conseguiram se igualar. Impressionante esta história, não é mesmo? Obrigada pela leitura, me siga nas minhas redes sociais:
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