Um mês após morte do pai por Covid-19 em SC, filha escreve carta emocionante de despedida
Após um mês da morte do pai de 77 anos por Covid-19, a jornalista Luciana Zonta, de 45 anos, de Balneário Camboriú, publicou nas redes sociais uma carta de despedida. Na homenagem, conta que a última vez que falou com Ademar Zonta foi 30 minutos antes dele ser transferido para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ele morreu nove dias depois e foi cremado sem a presença da família. “Escrever a carta foi uma forma de despedida, de aceitar e assimilar. E, ao mesmo tempo, deixá-lo ir embora”, disse em entrevista ao G1.
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Luciana soube da partida do pai durante seu isolamento, pois também foi diagnosticada com coronavírus enquanto acompanhava o pai. “Não pude acompanhar nada, nem mesmo os trâmites legais [da morte do pai]”. A jornalista conta que o pai recebeu o diagnóstico positivo no dia 16 de março, após três dias com sintomas de fraqueza. Na bateria de exames feita no hospital, foi constata a doença e que cerca de 50% do pulmão do pai estava comprometido.
Ao ser internado em um quarto da unidade, Luciana recebeu a autorização para acompanhá-lo. Mas com a agravamento no quadro de saúde, Ademar teve que ser encaminhado para a UTI. “O médico me chamou e disse: ‘Não temos mais alternativa’. [O médico] queria muito ajudar o meu pai a ficar bom, mas para isso precisava levar ele para um outro setor do hospital, para um tratamento mais intensivo”, relembrou.
Foi 30 minutos antes do procedimento de intubação que os dois se falaram pela última vez. “Cheguei a te falar, pela última vez, o quanto nós te amávamos.[…] Você me devolveu dizendo, mais uma vez, que éramos a razão da sua vida. E prometeu voltar, mesmo sabendo que talvez não voltasse. Faltou dizer mais algumas coisas, pai. Não deu tempo”, diz a carta.
Ademar morreu na manhã de 25 de março. Antes disso, Luciana já estava isolada na casa do pai para evitar contaminar o marido e os dois filhos. Neste tempo de isolamento o irmão mais velho, que mora em Natal (RN), veio para estado acompanhar o estado de saúde do pai. Ele ficou com Luciana, na mesma casa, durante os 15 dias de isolamento.
“No dia que o hospital me ligou para falar que meu pai não tinha resistido, eu e meu irmão não pudemos sequer nos abraçar (para não passar Covid para ele)”, afirma.
Luciana afirma que o pai estava com agendamento para receber a primeira aplicação da vacina contra a Covid-19 dois dias depois do dia em que foi internado: “Não deu tempo”, disse ela ao G1.
“Creio que ele gostaria que o luto fosse vivenciado com lembranças boas do caminho feliz que ele trilhou. Como qualquer ser humano, teve seus altos e baixos emocionais, mas mantinha sempre uma alegria nata. E é com esta alegria que ele certamente será sempre lembrado com todos que conviveram com ele”, disse.
Diagnóstico positivo
Luciana conta que passou três dias acompanhando o pai no hospital e acredita que foi lá onde ocorreu a contaminação.
“Um dia depois dele ser entubado (e eu ir para a casa dele fazer isolamento preventivo), comecei com os primeiros sintomas. Foram dias bastante tensos, tive crises fortes de medo e pânico pois ainda estava bastante abalada com tudo o que tinha vivido no hospital (em especial na noite em que ele precisou ser entubado). Eu ficava o tempo todo controlando a minha saturação, com medo dela baixar de 92 e precisar ir para o hospital. Ainda bem que não foi necessário”, relembra.
Durante o tempo que acompanhou o pai, ela lembra que ele se mantinha positivo grande parte das vezes. “Ele era uma pessoa bastante alegre e com energia 100% positiva. Até mesmo internado no hospital, mantinha o bom humor e estava sempre conversando com os médicos e enfermeiras, contando piadas, brincando”, concluiu.
Viúvo desde 2012, Ademar deixa os dois filhos e três netos. “[Nós estamos] esperando um dia bem lindo de outono para jogar [as cinzas] no mar de Balneário Camboriú, bem em frente onde ele morava”, conclui.
Carta
Na carta Luciana relembra momentos com o pai e o agradece. A publicação teve mais de duas centenas de curtidas e 68 comentários lamentando a morte de Ademar. Veja a íntegra abaixo:
Pai, hoje faz exato 1 mês que você foi embora. E aqueles 30 minutos que gentilmente o médico me concedeu antes de te levar para a UTI, naquela madrugada insana, não foram suficientes para te dizer tudo o que eu queria.
Cheguei a te falar, pela última vez, o quanto nós te amávamos. E que o Davi, a Lis e o Nícolas te esperavam aqui fora. Te lembrei da viagem já combinada para a Itália com os meninos e pedi para você ficar bom logo porque precisávamos cumprir o prometido. Você me devolveu dizendo, mais uma vez, que éramos a razão da sua vida. E prometeu voltar, mesmo sabendo que talvez não voltasse.
Faltou dizer mais algumas coisas, pai. Não deu tempo.
Queria te contar que agradeço frequentemente ao Universo os pais que tive. Foram o pai e a mãe exatos para mim. Que sou eternamente grata pelas nossas conversas e pela tua alegria. Que teu foco e determinação me inspiram até hoje, como em 1976, quando você chegou em Balneário Camboriú com um fusca velho e uns trocados no bolso para abrir o seu próprio negócio e disse que, em no máximo 10 anos, estaria morando em seu próprio apartamento de frente para o mar. Seis anos depois, a gente se mudava para o imóvel que você tinha sonhado.
Não deu tempo de te falar, mais uma vez, o quanto admirava o teu jeito único com crianças desde que a gente era criança. Você era o pai e o tio mais alegre, daqueles que enchem a casa e o coração na noite de Natal. Você foi o vô mais amoroso que teus 3 netos poderiam ter. E que teus olhos brilhavam como estrelas quando estavas com eles.
Queria ter te dito novamente, pai, o quanto fui grata pela tua exigência e disciplina com o nosso conhecimento. Por encher a nossa casa de livros, revistas e referências. E de quando você me falava que eu nem ousasse casar antes de terminar a faculdade para que eu não dependesse de pessoa alguma, só do meu esforço e sabedoria.
Queria ter agradecido por ter sido o pai que nos levava para ver jogos do Vasco em São Januário e no Maracanã e as corridas de Fórmula 1 em Jacarepaguá. Por nos mostrar os fatos ao vivo e a cores, ao invés de somente ver a vida passar na TV. Por sempre nos lembrar que o melhor investimento era embarcar em um avião rumo a um novo pedaço do mundo. Por me incentivar no intercâmbio e por ter enchido o seu coração de orgulho a cada matéria internacional que eu fazia.
Queria ter falado que sou grata até pelos momentos difíceis da nossa relação. De quando as minhas escolhas fizeram vocês sofrerem. Nestes momentos, eu consegui perceber o teu caminho, as referências que trouxeste da tua casa e de quanto as nossas gerações podem discordar e se amar mesmo assim. Por ter aprendido que eu não precisava suprir as expectativas e que mesmo não suprindo, vocês nunca deixaram de me amar. E mais ainda: por no final do caminho você reconhecer e brindar por estas escolhas.
Pai, eu só queria ter te dito que seja ouvindo tuas histórias nos almoços de domingo, ou caminhando ao teu lado nas ruas de Amsterdã, as melhores lembranças serão tuas.
Os melhores vinhos, as melhores risadas, as melhores fotos de viagem. Obrigada por tudo, pai. Tu estarás sempre comigo! ❤️